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Contos de Garotos – Capítulo 15 – Por Favor, Castigue-me

Contos de Garotos

Capítulo

XV

Por favor, castigue-me

OoO

“Pagai o mal com o bem, porque o amor é vitorioso no ataque e invulnerável na defesa”.
(Lao-Tse)

OoO

O sorriso de Maximiliano foi tão radiante que Hanz sentiu um frio correr por sua espinha, ele não sabia o que significava aquele olhar, mas seus instintos estavam lhe alertando que uma tempestade logo chegaria a sua querida rotina.

— Então… Poderia acompanhar-me até a minha sala, senhor Golden? – indagou, erguendo-se e estendendo sua mão para Hanz, que ficou a observá-lo com insegurança.

— “Para aquela sala chata de novo?” – pensou com angústia.

— Vamos – Maximiliano tornou a chamá-lo.

— O que irá fazer? – indagou.

Maximiliano ficou surpreso com a resistência do aluno, abrindo um largo sorriso, adorando aquele ar rebelde e cauteloso de Hanz. Nesse aspecto, Kim e Hanz eram bastante parecidos ao olhar do diretor.

— Eu preciso que relate o que aconteceu para aplicar a advertência corretamente. Não quero cometer nenhuma injustiça – disse.

— E eu preciso ir até a sua sala para assinar o papel? Por acaso já providenciou a documentação? – indagou.

— Sim – respondeu – eu ia pedir para o senhor Maccario fazê-lo, mas já que o senhor se ofereceu, eu estou a pedir que me acompanhe. Isso é, se não está arrependido de ter admitido a sua culpa.

— Eu não me arrependo de nada – disse, erguendo-se rapidamente – vamos logo.

Os dois começaram a caminhar lentamente pelo campus, Hanz andava a frente, com passos lentos e preguiçosos. Ele não queria ficar preso na secretaria novamente, mas não podia permitir que Kim fosse castigado por protegê-lo.

— HANZ!!

Hanz e Maximiliano pararam de andar de repente, olhando para o karateca que corria na direção deles. Kim estava usando apenas uma calça jeans, deixando seu tronco desnudo, ele estava descalço e com os cabelos molhados.

O karateca estava tomando um banho quando recebeu o telefonema de kirios, que avisou que Hanz estava andando com o diretor. E sem pensar duas vezes, Maccario saiu correndo, colocando uma calça qualquer.

— O que foi? – Hanz indagou com surpresa, vendo o estado de seu namorado.

Kim não respondeu, caminhando até Maximiliano que lhe sorria de modo divertido, adorando ver o estado eufórico que seu aluno favorito se encontrava.

— Isso não é jeito de se apresentar, senhor Maccario – sorriu.

— O que ia fazer, Maximiliano? – indagou.

— O senhor Golden irá assinar uma advertência – disse.

— Por qual motivo? – indagou, franzindo seu cenho.

— Ele disse que foi responsável pela agressão que dois alunos chamados Marc e Hon sofreram no passado – respondeu secamente.

Kim arregalou os olhos e encarou seu querido namorado, sentindo seu coração amolecer. Por um momento sentiu vontade de abraçar Hanz por tentar protegê-lo, mas logo voltou a sua fúria interior.

— Eu sou responsável por isso. Afinal fui eu que os agredi – disse – castigue a mim se quiser.

— Não, Kim! – Hanz o interrompeu – eu pedi para você fazer aquilo. Eu o induzi, você foi influenciado. Eu sou o culpado.

— “Hanz seu idiota. Cala a boca” – pensou em desespero – isso não é verdade – disse em seguida, segurando-se para não dar um tapa na cara do calouro.

Maximiliano ergueu sua mão pedindo para que os dois parassem de falar, ele se aproximou de Hanz e tocou sua mão no ombro do menor, abrindo um largo sorriso para Maccario.

— O senhor Golden está tentando ajudá-lo, Maccario. Sua situação está cada vez pior nesse colégio – comentou – por favor, os dois poderiam me acompanhar?

— Os… dois? – Kim indagou com receio.

— Sim, por favor – pediu – tudo bem senhor Golden?

— Sim – Hanz respondeu, recebendo um olhar mortal de Kim – “o Kim deve estar louco. Ah, que saco. Eu tento protegê-lo e ele me trata mal ainda por cima” – pensou com tristeza – “eu não posso estar gostando de alguém tão egoísta”.

Maximiliano puxou Hanz pelo ombro e começou a andar ao lado dele, ficando bem próximo ao calouro, olhando para Kim de canto, exibindo um olhar carregado de divertimento. Minutos depois, eles chegaram até a secretaria, indo até o escritório do diretor.

O casal sentou-se nas duas cadeiras de madeira que ficavam a frente da grande mesa de vidro. Maximiliano sentou-se na sua cadeira e começou a mexer numa pasta amarela, onde havia a ficha de cada aluno.

Kim olhava para Hanz e depois para o diretor, com certo nervosismo. E quanto a Hanz, ele estava começando a ficar incomodado com o olhar carregado que Kim lhe lançava a cada segundo.

— “Ele parece bravo” – Hanz pensou – “ele deveria me agradecer. Afinal, o que eu fiz demais?”.

— “Maldito Maximiliano. Ah, como Hanz pode ser tão burro de tentar dialogar com esse maldito?” – Kim pensava com angústia – “se ele tocar nele… eu vou matá-lo”.

— Assinem aqui, por favor – Maximiliano pediu, entregando uma folha para cada um.

Hanz pegou o papel e começou a ler com atenção, prestando atenção aos detalhes. O moreno ficou surpreso com o que leu, ele não sabia o que havia acontecido com Marc e Hon realmente, obviamente soube que eles apanharam muito. Mas pelo relatório, eles estavam num caso sério de saúde. Kim havia quebrado seus ossos.

— Onde tem uma caneta? – Hanz indagou.

— Aqui – disse Maximiliano, entregando uma caneta para Hanz, tocando levemente nos seus dedos finos e compridos, chamando a atenção de Kim que parou de ler o relatório para observar a cena.

Hanz não ligou para o toque na sua mão, aquilo havia sido tão normal. Contato entre um ser humano qualquer, porém para Kim, aquilo estava começando a ficar perturbador.

— Pronto – disse Hanz, entregando a folha para Maximiliano – posso ir agora?

— Ainda não – respondeu – já assinou, senhor Maccario?

— Aqui está – disse, jogando a folha na mesa – o que mais você quer?

— Senhor Golden, eu gostaria de comunicar seus tios sobre a advertência – disse – eu acho que eles deveriam saber como seus responsáveis.

— Não é preciso – disse rapidamente – eu sou maior de idade. Eu assumo as responsabilidades.

— Na época você era menor de idade ainda e você está sob a responsabilidade de seus tios – comentou – e quanto ao senhor Maccario, eu irei falar com seus pais depois.

— Era só isso? – Kim indagou, erguendo-se e fechando sua mão no braço de Hanz, puxando-o para erguer-se também.

— Você pode ir embora, Maccario – disse – eu gostaria de conversar com o senhor Golden.

— Não! – gritou.

— Kim? – Hanz ficou assustado com a agressividade dele – por que está tão irritado? – indagou em seguida, tentando se soltar daquela mão que apertava seu braço.

— Ele está irritado, pois pensa que eu farei algum mal ao senhor – disse com um largo sorriso no rosto.

Hanz olhou para Kim com incredulidade. Ele não podia acreditar que Kim estava com ciúme do diretor, como sentia ciúme do professor Iago.

— No que você está pensando, Kim? – Hanz indagou com um suspiro.

— Você não entenderia – Kim respondeu – vamos indo, Hanz – disse, começando a puxá-lo para fora da sala, porém Kim deteve-se ao ouvir a voz de Maximiliano.

— Por favor, Maccario. Não parta assim, senão eu terei que gritar pela janela o que queria contar ao senhor Golden – disse.

— Contar? – Hanz indagou, virando-se para a mesa do diretor.

Maximiliano ergueu-se lentamente, arrumando seu casaco de camurça. Ele jogou seus cabelos castanhos para trás com uma mão e sorriu.

— Eu sinto a necessidade de contar-lhe sobre a situação do senhor Maccario nesse colégio para sua própria segurança – disse.

— Minha segurança? – indagou, olhando com curiosidade para Kim.

— Não é nada demais, Hanz – Kim sorriu nervoso.

A situação parecia estar tensa para Kim, Hanz podia notar pela sua expressão e pela força que o karateca exercia em seu braço. Porém, Hanz estava curioso, ele precisava saber qual era a situação do seu namorado naquele colégio.

— O senhor Maccario cometeu um ato abominável no passado. Claro que foi legítima defesa, porém, essa sina irá guiá-lo até o final de sua vida – disse secamente – isso é uma verdadeira tristeza, eu sinto uma dor no coração por saber desse terrível segredo e ao mesmo tempo não ter coragem de denunciá-lo, por sentir muito apresso por meu aluno.

— Denunciá-lo? – indagou, sentindo seu coração bater mais forte – “denunciar o quê? As agressões nos alunos?”.

— Cala a boca! – Kim gritou, soltando o braço de Hanz por um instante.

— Sim, denunciá-lo. O senhor Maccario cometeu um ato bárbaro a dois anos. Por isso eu cuido tão bem dele nesse colégio – discursou, fingindo estar extremamente magoado.

— “Esse homem é tão cínico. Dá para notar que ele fala sem sentimento algum. Que irritante” – Hanz pensou – o que ele fez? – indagou com irritabilidade.

— Antes de contar-lhe, senhor Golden. Eu gostaria de saber se o senhor Maccario gostaria de falar – disse.

Hanz e Kim se olharam de repente. Hanz cruzou os braços e ficou esperando que Kim lhe contasse o terrível ato bárbaro que ele cometeu no passado. E quanto a Kim, ele estava suando frio, com medo da reação de seu querido namorado.

— Eu… matei um homem – Kim confessou baixinho, abaixando sua cabeça, não conseguindo olhar para Hanz.

— Ma… matou? – indagou perplexo, arregalando os olhos.

Kim balançou a cabeça positivamente. O mundo de Hanz pareceu desabar, seu peito ficou pesado de repente, ele olhou para o diretor que tinha uma expressão enigmática.

— “Matou alguém? Kim matou alguém? Não pode ser, ele é agressivo, ele é violento… mas… não tem coragem de matar alguém!” – pensou aflito.

Hanz caminhou para trás, encostando-se a estante de madeira, deixando suas costas escorregarem até chegar o chão, sentando-se no carpete de madeira, olhando para Kim com surpresa.

— Isso foi algo lamentável – Maximiliano disse, quebrando o silêncio.

— Ora, cala a boca – Hanz gritou, enfurecido, chamando a atenção dos dois.

— Hanz? – Kim ergueu seu olhar, encarando-o.

— Já estou irritado com seu jeito de falar. Você é insensível e finge se importar. Ficou fazendo essa ladainha toda para provocar o Kim e achou mesmo que eu ia me voltar contra ele? – falou com todas suas forças, olhando para o diretor que ficou surpreso com aquela reação.

— Perdoe-me se lhe ofendi senhor Golden – disse, abrindo um largo sorriso amando o jeito rebelde de Hanz.

— E afinal. Como foi que você matou alguém, Kim? – indagou, olhando para seu namorado, que estava sem palavras.

Kim moveu seus lábios, mas nenhum som saiu, ele não conseguia reagir direito à explosão de Hanz. No fundo temia que Hanz ficasse com medo e o desprezasse, mas ele estava sentado no chão, agüentando aquele baque sozinho, defendendo-o contra aquele diretor. Kim não poderia amar outra pessoa. Hanz era perfeito!

— Ele quis me atacar… eu era mais novo… foi sem querer. Eu… o empurrei do quarto andar… ele caiu – disse, relembrando do dia fatídico.

— Ele ia te atacar? – Hanz indagou.

— Sim – respondeu com uma voz fraca.

— E você sabe disso, diretor? – Hanz indagou.

— Sim – respondeu.

Hanz acalmou-se e se ergueu lentamente, segurando-se na estante. Ele ainda estava atordoado com aquela revelação.

— E agora que eu sei. O que você quer, Maximiliano? Que eu decida se Kim é uma boa companhia para mim? – indagou.

— Sim – Maximiliano sorriu – ele é uma boa companhia para você, Golden? Pois Maccario é impulsivo, ele pode machucá-lo também.

De repente Hanz ficou em silêncio, lembrando-se da noite que Kim havia lhe estuprado tão friamente. Um frio correu por sua espinha, temendo um pouco o comportamento destrutivo do seu namorado. Afinal, Hanz não conhecia nada sobre Kim.

— Eu nunca o machucaria – Kim disse – de novo… – falou mais baixinho, despertando a curiosidade de Maximiliano, que alargou seu sorriso. Ele estava adorando aquela situação.

— Então, já sofreu maus tratos com o senhor Maccario, Golden? – indagou, caminhando até o karateca, tocando delicadamente no seu ombro desnudo.

Hanz não respondeu, ele não queria falar sobre o que aconteceu. Apesar de não ter tido culpa alguma, Hanz sentia-se envergonhado. Talvez esse fosse o sentimento das pessoas que sofriam abusos, elas acabavam por se sentir culpadas, não contando a verdade.

— Era só isso? – Hanz indagou.

— Sim – respondeu.

— Posso ir embora? – indagou.

Maximiliano não respondeu, ele deslizou sua mão pelo pescoço de Kim, indo até sua nuca, puxando a cabeça de Kim para trás através de um puxão nos seus cabelos. Hanz observou a cena com apreensão.

— Não quer ficar, senhor Golden? – indagou.

— Vá embora Hanz – Kim pediu com uma voz fraca.

— “O que ele vai fazer?” – indagou em pensamento – “Por que Kim não se defende? Ah! Não seja burro Hanz… ele não se defende, pois tem medo! Agora eu entendo o medo de Kim, o medo que ele sentia que Maximiliano ficasse sozinho comigo”.

Os lábios de Maximiliano abriram-se num sorriso, mas logo ficou sério dando sua atenção a boca seca de Kim. O corpo do mais velho inclinou-se a fim de capturar aqueles lábios nos seus, dando um beijo singelo.

— “Ele faz chantagem com o Kim… que nojo. Que ódio” – pensava, sentindo seus olhos arderem diante daquela cena – “ele usa o Kim como bem entender. Mas como Maximiliano sabe que Kim matou alguém? Quais são as provas dele?”.

Hanz estava perdido nos seus devaneios, olhando a cena a sua frente com perturbação. Num segundo, Maximiliano soltou Maccario e olhou para Hanz, esperando que ele dissesse alguma coisa.

— Podemos ir embora agora? – Hanz indagou, tentando manter-se forte aquela situação, mas sua voz saiu fraca e insegura.

— Eu quero propor-te um acordo, Hanz – disse.

— Hanz? Hum, já mudou o tratamento polido de antes para um mais informal – comentou cínico – o que você quer? Fala logo.

— Você também está me tratando de forma mais rebelde – riu baixinho – eu deixarei Kim em paz, se você me obedecer.

— Em paz como? – indagou.

— Oras, eu não irei mais procurá-lo para me satisfazer sexualmente – disse – se você se propor a ficar no lugar dele.

Hanz travou, ele não sabia como ia sair daquela situação. Porém, Kim não deixou Hanz agir, ele fechou sua mão no braço do diretor e depois o empurrou para longe de seu corpo.

— Não tente fazer isso, Maximiliano. Hanz não vai aceitar, pois eu nunca permitiria. Ele não tem nada a ver com meu passado – vociferou – agora preste atenção nas minhas palavras. Eu já matei uma vez e não hesitarei em fazer novamente caso precise.

— Comovente – disse, tocando no seu braço que ficou vermelho pela violência que sofreu

— Se quiser alguma coisa, peça para mim. Agora vá embora daqui Hanz – Kim disse, olhando para Hanz.

Hanz não sabia o que fazer, ele estava com medo de deixar Kim com aquele homem.

— VAI EMBORA! – Kim gritou enfurecido, acordando Hanz de seus devaneios. O corpo do calouro moveu-se mecanicamente, ele caminhou meio vacilante até a porta, abrindo-a e saindo em seguida, sem olhar para seu namorado.

Hanz desceu o pequeno lance de escadas e chegou até a saída daquele pequeno prédio, caminhando alguns metros para depois olhar para a janela do escritório que estava encoberta pela persiana.

— Kim… – sussurrou o nome do karateca, sentindo seu peito doer por abandoná-lo – eu não posso te deixar você sozinho.

E num movimento rápido, Hanz correu para o interior daquele pequeno prédio, chegando até o escritório, abrindo a porta num estrondo. Encontrando a seguinte cena:

Kim estava ajoelhado no carpete de madeira, enquanto Maximiliano estava segurando seus cabelos com uma mão, afundando a cabeça do karateca na direção de seu membro que estava para fora de sua calça.

— Ah! Resolveu participar? – Maximiliano indagou provocante.

Hanz avançou até ele, empurrando o diretor para trás, fazendo-o perder o equilíbrio e cair no chão. Kim arregalou os olhos abobado com aquela cena. Hanz fechou suas mãos nos braços do karateca e o ergueu, começando a puxá-lo para fora daquela sala.

— Hanz… o que você está fazendo? – indagou.

— Eu não sei – respondeu.

Os dois saíram do prédio, olhando para trás, vendo que não estavam sendo seguidos. Eles começaram a caminhar pelo campus apressadamente, eles queria se esconder em algum lugar. Mas se esconder do quê? E a melhor pergunta seria: Como poderiam se esconder no colégio?

Eles sentaram-se perto da praça de alimentação, num gramado vazio e úmido. Ambos ficaram em silêncio, encarando os fatos com mais seriedade. A situação era alarmante.

— Perdoe-me – Kim pediu – eu não queria te envolver.

— Mas me envolveu – disse – o que ele faz com você, Kim?

— Ele me usa como bem entende – confessou, abaixando sua cabeça – ele ameaça me denunciar.

— Mas ele tem provas?

— Ele tem um vídeo – disse – aquele maldito vídeo que ele vive jogando na minha cara.

— E você não pode sair do colégio… ele te denunciaria – disse – mas qual o interesse dele em ficar brincando com um aluno?

— Eu faço alguns trabalhos para ele também – disse – eu tenho que sempre trazer medalhas de ouro para o colégio, também tenho que silenciar alguns alunos que pensam em denunciar o colégio.

— Silenciar? – indagou com euforia.

— Dar uns sustos, Hanz. Agredir… – disse – eu não sou um assassino.

Hanz acalmou-se um pouco, por um momento pensou que não conhecia mais Kim.

— Por isso ele sempre me deixa em quartos separados, para que eu possa sair sempre – confessou – eu queria poder ser livre.

— “Livre…” – pensou com angústia – eu sinto muito, Kim.

— Eu não queria te envolver. Hanz, por favor. Saia logo desse colégio – pediu, tocando na face angustiada de Hanz.

— Sair? E você?

— Eu estou pagando pelos meus pecados – disse – você não merece sofrer nada por mim.

— Mas o que ele pode fazer contra mim? – Hanz indagou, deslizando sua mão pelo braço desnudo de Kim, deixando seus dedos correrem até seu pescoço, indo até sua nuca, acariciando-a.

— Ele pode ameaçar me denunciar, ele pode ameaçar a contar para seus tios que você é um péssimo aluno, ele pode pedir para alguns alunos lhe agredirem. Ele pode fazer muitas coisas – comentou, lembrando-se dos pedidos que Maximiliano havia lhe feito ao longo desses anos.

— Não tem como você destruir as provas? Falar com a polícia? – indagou.

— Hanz, esse filho da puta é filho de juízes – disse – por que você acha que nunca temos nenhum policiamento no colégio?

— Eu… não sabia – disse com surpresa.

— Ele é de uma família nobre, além de tudo. E por ser uma pessoa sem escrúpulos, ele acaba conhecendo gente que nem ele – comentou – ele tem as costas quentes.

Hanz abraçou Kim com muito carinho, afundando a cabeça do karateca na curva de seu pescoço para que ele descansasse. Aos poucos o corpo de Kim começou a relaxar, adorando sentir aquela carícia em seus cabelos.

— Eu estou do seu lado – Hanz sussurrou.

— Obrigado – agradeceu – eu tinha medo que você me repudiasse.

— Você não é uma má pessoa, Kim. É apenas um adolescente perdido, como eu também sou – disse baixinho – e eu… gosto muito… de você.

— Isso foi muito bom de se ouvir, Hanz – disse, permitindo-se sorrir.

— Vamos pensar em como sair dessa, tudo bem? – indagou esperançoso.

— Sim – respondeu, amando a ingenuidade de seu namorado.

— Vai começar a chover. Vamos sair daqui – Hanz avisou.

— Deixe-me ficar assim mais um pouco, por favor – pediu.

Os braços de Kim envolveram o corpo menor, apertando-o com paixão, deixando seus lábios tocarem na pele de Hanz, beijando-o com carinho. Porém seu beijo era diferente dos demais, seus lábios carregavam uma tristeza sem igual. Hanz fechou os olhos e ficou a sentir a carícia, até que as primeiras gotas de chuva começaram a cair pelo céu.

Eles não se moveram, aproveitando aquele minuto de silêncio. Suas narinas já detectavam o cheiro da terra molhada, seus corpos já estavam completamente molhados e a brisa fria acabou por deixá-los com frio. Eles abraçaram-se com mais força.

— “Eu agradeço ao Divino ou o que quer que tenha me dado você de presente” – Kim agradeceu em pensamento – vamos entrar, Hanz – pediu em seguida, afastando-se.

Os dois começaram a caminhar para o dormitório com as mãos dadas. Quando chegaram no prédio, Kim o puxou até seu quarto, trancando a porta em seguida.

— Vamos tomar um banho – Kim sugeriu.

— Sim – respondeu.

Os dois tiraram suas roupas e adentraram no Box em silêncio, sentindo a água quente cobrir seus corpos. Kim comentou algumas coisas, tentando puxar alguma conversa com Hanz, mas o calouro estava incomunicável. O olhar de Hanz era cabisbaixo.

— Hanz. No que está pensando?

— Nada – respondeu mecanicamente, não dando atenção a pergunta. No que Hanz pensava? A resposta era incerta. Ele pensava em muitas coisas no momento, deixando seu coração angustiado.

— Hanz, fale comigo – pediu com insegurança. No fundo Kim tinha medo que Hanz o recriminasse e se afastasse. Talvez a ficha de Hanz tivesse caído e ele tivesse percebido que ficar com Kim era um erro. Era uma hipótese que Kim temia.

O veterano abraçou o corpo menor, sentindo a respiração de Hanz sair lentamente. Os braços finos do menor o abraçaram delicadamente, sem muita pressão. Hanz estava pensativo, ele estava triste, angustiado e revoltado com todo aquela situação.

— Como você pôde matar alguém? – Hanz indagou num tom extremamente baixo.

— Foi um acidente – respondeu com a voz fraca.

— Você não queria matá-lo?

— Na verdade. Eu queria, mas… depois me arrependi – confessou.

— Então você quis matar alguém – disse com convicção, fechando seus olhos com força, sentindo seu peito doer com aquela confirmação.

— Sim. Eu quis matá-lo – sussurrou – mas isso aconteceu na hora da raiva.

— Você sempre está com raiva, Kim. E se sentir raiva de outra pessoa. Você irá matá-la? – indagou, afundando sua cabeça na curva do pescoço de Kim, ficando acomodado.

— Não – respondeu rapidamente.

— Mas o que garante que você não o faça?

— Eu não sou um assassino, Hanz. Foi um acidente! Eu o empurrei, ele caiu e morreu – disse – eu não fui na intenção de matar, eu não sai de meu quarto e pensei: vou matá-lo. Simplesmente aconteceu!

— Você não pode ser tão impulsivo, Kim – disse alarmado.

— Eu sei – sussurrou, passado sua mão pelo dorso de Hanz, num carinho delicado.

— E ele morreu na hora? – indagou.

— Sim. Ele acabou caindo em cima de um arbusto – disse – não foi nada agradável. Eu fiquei chocado na época.

— E Maximiliano o pegou na hora?

— Não. Hanz, as salas de aula têm câmeras, sabia? – comentou – todas as salas. Maximiliano tem o vídeo.

Hanz pareceu surpreso com aquilo. Então havia câmeras espalhadas pelo colégio? Se isso realmente existia. Por que nenhum aluno usou as gravações para denunciar o colégio por maus tratos?

— Por que nenhum aluno tem acesso aos vídeos? – Hanz indagou – podemos acusar Maximiliano de maus tratos com os vídeos! Tantos alunos foram atacados nas salas!

— Ele apagou esse tipo de vídeo – comentou – e tem salas que não tem câmeras com esse propósito.

— Que engenhoso – murmurou – as salas onde têm as festinhas?

— As mesmas. Ninguém é idiota de fazer algo estúpido nas salas com câmeras – sussurrou – apenas eu.

— E onde está esse vídeo? – Hanz indagou.

— Eu tenho uma cópia. Maximiliano tem uma cópia no cofre de seu banco e disse que se algo acontecesse a ele, logo achariam o vídeo. Sem contar que ele deixou um testemunho que se ele chegasse a morrer, era para que me investigassem – disse, lembrando-se de todo discurso que Maximiliano havia feito há um tempo atrás – ele não é burro.

— Você o mataria, Kim? – indagou.

O silêncio se fez presente por alguns minutos. A respiração de Kim estava um pouco agitada, ele estava com dificuldade de ficar falando sobre algo tão delicado com Hanz em seus braços.

— Talvez – respondeu.

— Se você pudesse matá-lo. Você o mataria – disse com convicção – responda-me, Kim. Como você o mataria?

— Hanz! Por que está perguntando isso? – indagou, afastando-o um pouco para encará-lo diretamente.

— Eu quero saber. Eu quero saber mais sobre você – disse num tom mais alto – você tem muita coisa que eu não sei. Droga! Eu logo quando eu descubro que estou realmente gostando de você, isso acontece! Por que você tinha que fazer algo tão estúpido, Kim!? Por quê?

Kim travou diante daquele garoto que arfava. Seus olhos miraram o cenho franzido de Hanz, ele estava furioso pela sua expressão.

— Então… você não gostava de mim… antes? – Kim indagou o que ele conseguiu processar.

Hanz travou, arregalando os olhos por um segundo. Ele abaixou sua cabeça, pensando nas suas palavras. Arrependeu-se amargamente por ter dito aquilo. Ele puxou a toalha que estava pendurada no Box e a enrolou na sua cintura, saindo do banheiro com passos apressados.

— “Você não gostava de mim… não gostava…” – Kim pensou atordoado, batendo suas costas contra o azulejo do Box.

No quarto, Hanz enxugava-se rapidamente. Ele colocou sua calça jeans de qualquer jeito e depois calçou seu par de chinelos vermelhos, ele queria sair o quanto antes daquele quarto. Ele precisava de um tempo para pensar.

— Hanz!

O calouro olhou para a porta do banheiro, vendo o karateca que usava um roupão branco de algodão. Ele estava molhado, ofegante e suas mãos estavam espalmadas no batente da porta, olhando para Hanz como se fosse agarrá-lo.

— Eu preciso pensar um pouco – Hanz disse, caminhando até a porta.

— Pensar no quê? – indagou, caminhando até a porta, ficando na frente de Hanz com os braços cruzados – você não gostava de mim. Então por que ficou comigo todo esse tempo?

— Proteção – respondeu friamente, sentindo seu coração acelerar. No fundo não queria magoar Kim, mas era a verdade. Hanz não queria ser estuprado novamente naquele colégio. Qualquer pessoa sensata faria isso.

O corpo de Kim tremia levemente com aquela revelação. Então nesse tempo todo estava sendo feito de bobo pelo calouro? Ele não podia acreditar. Ele não queria acreditar.

— Você nunca ligou para mim, então! – gritou.

— Isso não é verdade. Eu sempre senti muita atração por você e gosto da sua amizade. Mas Kim, no começo eu não gostava de você como um namorado – revelou – eu tinha medo que você me abandonasse nesse colégio. Eu sou um cretino, eu sei. Mas eu sou um cretino sincero, se eu digo que eu gosto de você agora. É porque eu gosto.

— E agora você gosta de mim? – indagou zombeteiro.

— Sim. Se eu não gostasse, eu já teria me afastado. Ainda mais depois do que descobri – disse, respirando fundo.

— Ou você está com medo de mim – murmurou.

— Não – falou – não crie essas ilusões a meu respeito, Kim. Eu gosto de você, eu… Apaixonei-me por você.

— Por isso nunca me dizia nada amoroso – Kim falou consigo mesmo – sempre esteve distante. Sempre… agora eu entendo. Eu pensava que era sua personalidade, seu jeito tímido… mas agora faz sentido.

— Isso vai importar agora? – Hanz indagou – “você vai jogar tudo para o alto por saber que eu não era apaixonado por você no início? Vai ser tão frio assim, Kim?” – pensou.

— Você é frio – Kim sussurrou – mais frio que qualquer um. Você sabe mentir muito bem, também.

Hanz abaixou a cabeça, ouvindo as palavras frias de Kim. Ele não tinha como se defender. No fundo sentia-se um monstro por ter enganado Kim que sempre se mostrou verdadeiramente apaixonado.

— Eu gosto de você – Hanz disse de repente, cortando o silêncio – e quero ficar com você. Perdão por ter sido falso no começo, mas eu estou falando a verdade. Por favor, fique comigo.

Os dois ficaram se olhando em silêncio. Kim caminhou até o menor, ficando bem próximo a ele, olhando-o com indignação. No fundo, Kim sentia-se traído e agora estava inseguro com relação a Hanz.

— Eu não te conheço – Kim disse – você é um estranho para mim.

— Kim… – sussurrou seu nome com muito pesar, abaixando sua cabeça, não agüentando aquele olhar chateado em cima dele.

— Hanz, você poderia me deixar sozinho? – pediu num tom baixo e controlado.

— Não quero – disse, tocando na mão de Kim, segurando seus dois dedos maiores com cuidado e carinho, voltando a encará-lo.

— Por favor, saia daqui – pediu, esquivando-se do toque do calouro.

— Você não está sendo sensato – Hanz disse – eu não te fiz nada de mal.

— Saia!

— Não vou sair!

— Hanz, saia logo.

— Não – gritou, dando um passo para trás.

Kim fechou os olhos, tentando acalmar sua irritação. Ele ficou relembrando das noites em que se deitou com seu namorado. E com as palavras doces que lhe dirigia e que muitas vezes eram ignoradas. Lembrava-se de cada gesto de Hanz, cada ação, percebendo como ele sempre foi frio e distante.

— Você não gosta de mim – Kim disse.

— Claro que eu gosto. Droga! Agora que eu gosto, você não me quer junto a você? – gritou – é isso?! Não seja ridículo, Kim. Eu acho que nunca gostei tanto de alguém… como gosto de você.

— Você está mentindo ou falando a verdade? – indagou, rindo baixinho – você tem medo que eu lhe mate? É isso?

Hanz balançou a cabeça negativamente, pensando em como Kim podia ser tão cabeça dura a ponto de pensar tão mal dele nesse curto espaço de tempo. Ele podia ter sido falso nos seus sentimentos, mas nunca disse que amava Kim, nunca havia feito falsas promessas, nunca o havia magoado. Pelo contrário, sempre o apoiou e o tratou como um verdadeiro amigo.

— Eu não mereço isso – Hanz sussurrou – por favor, acalme-se. Nós nos gostamos, eu não tenho medo de você, pois você prometeu nunca mais me machucar.

— Eu te prometi muitas coisas – disse – agora saia daqui, pois eu preciso pensar.

— Pensar no quê? – indagou – você só vai ficar alimentando sua mágoa, ficando com ódio de mim. Inventando coisas a meu respeito! Vai ficar dizendo para você mesmo que eu não gosto de você.

— Não seja egoísta, Hanz. Você só está pensando em você mesmo – disse, fechando sua mão no braço do menor, assustando-o por um momento – saia logo antes que eu realmente fique enfurecido! – gritou, começando a arrastar Hanz até a porta, abrindo-a num estrondo e jogando Hanz no corredor.

— Kim! Não faça isso! – pediu em desespero – converse comigo.

A porta foi fechada na cara de Hanz, que ficou um bom tempo olhando para a madeira cor de mogno. Ele tocou seus dedos na madeira da porta, sentindo a frieza e a dureza do material, que se assimilava com as ações de seu namorado. Ou ex-namorado? Essa resposta viria no futuro.

Hanz começou a caminhar para fora do prédio dos dormitórios. A chuva voltou a molhá-lo, porém Hanz não se importava. Ele precisava pensar na sua vida também. Seus olhos estavam molhados pelas lágrimas quentes que rolavam por sua face.

O calouro sentou-se no gramado esverdeado, abraçando seus joelhos, começando a chorar alto, soluçando. Ele arrependia-se por ter deixado seus sentimentos escaparem por sua garganta.

— “O que eu fiz de mal para você, Kim? Liste as coisas que eu lhe fiz de mal e depois liste as coisas que você me fez de mal. Vamos por tudo numa balança e ver qual lado vai pesar mais” – pensava aflito – “eu cometo um deslize e você me castiga. Você faz um monte de burradas e eu sempre o perdôo. Por favor, castigue-me novamente. Mas não se afaste de mim”.

Hanz jogou seus cabelos para trás, deixando seu rosto livre de seus fios cor de ébano. Ele jogou seu tronco para trás e deitou-se no gramado, sujando suas roupas sem se importar.

— “Maldita hora que te conheci. Se eu soubesse que sofreria tanto, eu não teria aceitado você. Como eu sou azarado. Como eu sou idiota. Você nem sequer se importou com o que eu disse” – soluçava – “eu gosto de você. Isso não significa nada para você? Não significa?!”.

Após ficar horas jogado ao relento, hanz resolveu voltar para seu quarto. Seu corpo tremia violentamente de frio. Ele chegou até seu dormitório, encontrando Corei que estava sentado no chão, jogando cartas com Lulu.

— Hanz! Você está bem? – Corei indagou, observando o semblante de seu companheiro.

Hanz não respondeu, ele entrou no banheiro e começou a retirar suas roupas, jogando-a no chão. Ele iniciou um banho, deixando a água quente cair por seu corpo. Ele ouvia as batidas na porta e os chamados do loirinho, mas não respondeu.

Ele estava triste e queria ficar sozinho, alimentando-se da tristeza.

OoO

“A suprema felicidade da vida é a convicção de ser amado por
aquilo que você é ou melhor, apesar daquilo que você é”.
(Victor Hugo)

OoO Por Leona-EBM

Continua…

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