Confusões no Colegial – Capítulo 5 – Confusões e Amassos
Segunda-feira. O colégio Dom Pedro I estava fervilhando com a energia dos jovens que voltavam do fim de semana pós-início de aulas. O tempo estava perfeito, o sol aquecia o campus apagando a paisagem fria dos dias anteriores, refletindo sua claridade sobre as folhagens verdinhas dos pinheiros espalhados pelos arredores.
Derick entrou no prédio seguindo em direção à sala. Ao cruzar a porta notou que as colegas ainda não haviam chegado, então se sentou na segunda cadeira da fileira ao lado da janela. Tatiane ficava na primeira à frente do rapaz e Lizi na primeira da fileira logo ao lado dela. De repente a vozinha conhecida entrou pela porta bastante empolgada:
– BA. BA. DO – Lizi vinha em sua direção com passinhos apressados. Ela puxou a carteira para mais próximo do colega começando a contar-lhe as novidades do dia. – Está rolando a maior fofoca de que o Lucas, o namorado da Caroline, mal chegou de viagem já colocou uma galhada nela.
– Como assim?! – Derick se aproxima para apreciar melhor a fofoca. Desde o primeiro dia não se simpatizara com a garota loira cheia de si.
– Parece que ela os flagrou no parque, sábado. Nem acredito que perdi a cena por causa do enjoo. – Lizi continua resmungando o tempo todo por ter passado mal.
– Vixe – Derick ouvia a história atentamente. Nem passava por sua cabeça que o tal “Lucas” era justamente o carinha misterioso que o havia beijado sem consentimento. – E como você ficou sabendo disso? – ele questionou.
– Estão comentando no banheiro. Dizem que vai ter briga na saída.
Os dois olham para trás observando outros alunos conversarem vários assuntos desconexos, e mais ao fundo, os materiais de Caroline que descansavam sobre a mesa. Ela já havia chegado, porém não estava por ali.
* * *
– Uh, ai é Tatiane – Os garotos na entrada tiraram sarro assim que ela atravessou o portão. Eles fechavam os braços em volta de si, e virados para o muro encenavam um amasso, colocando as rosadas línguas para fora como num beijo molhado.
A garota estranhou aquilo, eram uns idiotas, pensou apressando os passos para dentro do prédio. Na escada as chacotas persistiam, mas desta vez, vindas de garotas que estavam paradas ali, a fofocarem sobre algo.
– Alguém sabe o que está havendo? – Entrou bastante corada, sentando-se junto a dupla que também estivera a fofocar. Derick ao ver a amiga ficou bastante constrangido, não sabia como reagir. Desde a cena de sábado eles não haviam conversado, o questionamento de Tatiane pendia no ar.
– Depende – Lizi exclamou – Sobre o que estamos falando?
Tatiane passou o olhar pela sala, incomodada. Algumas garotas na fileira perto da porta sorriam baixinho, disfarçando olhares em sua direção.
“Mas, que droga esta acontecendo hoje?” – pressentia que todo aquele burburim estava relacionado a ela, por isso ajeitou os óculos e enquanto ouvia Lizi contar a novidade tentava escutar o que os outros cochichavam. Teve a atenção roubada quando Derick chamou-as para seguirem até o bebedouro, assim, caminhou junto a ele, deixando a sala.
Pelo corredor andavam bem juntinhos para conseguirem conversar, havia muita bagunça ao redor e não prestavam atenção em mais ninguém, com exceção de Tatiane, que ainda tinha uma pulga atrás da orelha com aqueles olhares retorcidos.
Resolveram descer para comprar chicletes, ao chegarem ao pátio se depararam com o portão fechado, decidiram voltar, comentando sobre o passeio ao parque. Derick ignorava o fato de a amiga tê-lo visto beijando outro cara, ao que parecia, ambos ignoravam o assunto, pelo menos no momento, já que Tatiane estava mais concentrada em descobrir a razão de tantos cochichos.
O sinal soou e o trio apressou os passos em direção à sala. Caminhavam rapidamente temendo deparar-se com a porta fechada. Na pressa, fizeram uma curva veloz em um cruzamento de corredores, e assim, num impacto Derick esbarrou em outro rapaz parado de costas. Este quase caiu por cima de um colega e ao virar-se, percebendo de quem se tratava, corou.
– Puts foi mal – Derick desculpou-se imediatamente temendo começar uma confusão, então seus olhos focaram na silhueta e um nó apertou a garganta. Era ele, o cara do parque, aquele que o forçara a um beijo. Não soube como reagir, a princípio temera estar encrencado, mas agora – Vamos – respirou fundo quando sentiu o braço ser puxado por Tatiane e entraram na sala.
Ele resfolegou ao sentar-se na carteira, ainda não sabia o que falar, como agir. Quando abriu a boca para questionar, Lizi o interrompeu dando gargalhadas:
– Caramba Derick, você quase derrubou o Lucas. Seu tonto.
Engoliu em seco, desviou o olhar para Tatiane, que arqueando a sobrancelha prosseguiu ironicamente:
– Sim Derickzinho. Aquele é o Lucas, namorado da Caroline. – completou para temor do rapaz.
Ele não sabia onde enfiar a cara. Pela tensão na voz da colega, ficara claro que ela não aprovara o que viu. Neste momento a professora de literatura entrou seguida por demais alunos, entre eles estava o tal Lucas que se sentando em uma carteira no centro da sala fingia nunca ter visto Derick.
Crícia e Kaio chegaram em seguida, caminhando para o fundão acompanhados por Caroline, que ao passar pelo trio lançou-lhes um olhar ameaçador. Derick sentiu o estômago embrulhar, o corpo amoleceu e um arrepio subir pela espinha. Estaria encrencado? Respirou preocupado.
* * *
As aulas seguiram como no cronograma para as segundas-feiras: dois períodos de Literatura e um de Biologia antes do intervalo. Lucas passou todas as três aulas quieto, sendo encarado o tempo todo por Caroline no fundão. Depois de longas duas horas e alguns minutos o sinal enfim soou.
Aos grupos os estudantes foram se retirando da sala, entre eles Lucas. Derick levantou-se para esticar as pernas e foi até a porta. Neste momento começou a ouvir uma gritaria vinda pelas costas. Uma cadeira caiu no chão e ao virar-se deparou com Tatiane sendo agarrada pelos cabelos por uma Caroline enfurecida.
– Sua vadiazinha – gritava ela – Está pensando o quê? Que pode sair por ai ficando com o namorado das outras? – Caroline berrava enfurecida.
– Eu não fiz nada sua louca, me larga, me larga – Tatiane tentava se desvencilhar em vão. O emaranhado de cabelos era puxado com força pelos dedos cerrados de Caroline e ela já estava vermelhinha.
Então, uma multidão de vozes zombeteiras começou a incentivar o quebra-pau – Briga, briga, briga – Gritavam na sala e no corredor. Uma muvuca se aglomerou na porta para assistir à confusão, foi quando Kaio e um colega correram para separar as duas. Lizi não sabia como reagir, quando viu já estava montando as costas de Caroline tentando imobilizá-la com as perninhas magrelas. Se não fosse uma cena trágica, seria no mínimo cômica.
– Me larga Kaio, eu vou ensinar para essa piranha como se perde a BV com o namorado das outras. – Caroline gritou quando o garoto a imobilizou e alguns alunos começaram a rir baixinho parados na porta. Tatiane ficou tão envergonhada que se sentiu tonta.
– Deixa ela Caroline, você está louca? – o colega de Kaio entrou na confusão – Foi você quem deu um pé na bunda do Lucas e agora quer pagar de traída, todo mundo sabe que você é a maior rodada da escola. – Todos observavam a cena e não sabiam de que lado ficar. Então um grito estridente ecoou:
– O QUE ESTÁ ACONTECENDO AQUI? – a diretora entrou furiosa.
Caroline estava suada, as roupas amarrotadas e os cabelos embaraçados. Tatiane do outro lado, amparada pela colega, tremia e enxergava tudo embaçado, na confusão seus óculos foram parar debaixo da mesa dos professores.
Então a diretora prosseguiu:
– As duas, na direção, AGORA – completou.
* * *
Os ponteiros do relógio e o ruído dos alunos no intervalo eram ouvidos na espaçosa sala administrativa. Caroline e Tatiane estavam sentadas muito próximas, ambas descabeladas e bastante emburradas. A porta foi aberta rapidamente e Tatiane conseguiu ver de esguelha os dois colegas aguardando ao lado de fora. A diretora entrou, fechou a porta e se sentou respirando fundo.
– E então, o que foi aquilo? – Ela perguntou impassível, sentindo o sangue ferver quando as duas se acharam no direito de começarem a falar juntas, ainda num alto nível de estresse.
– Tá, ta, tá… silêncio. – A diretora interrompeu o novo bate-boca – Uma de cada vez – ordenou apontando para Tatiane.
– Eu sinceramente não sei o que deu nesta louca diretora. De repente ela simplesmente veio por trás, começou a me acusar de ter ficado com o namorado dela e sei lá mais o quê – completou ofegante.
Antes que a diretora falasse algo, Caroline tomou a palavra:
– Não se faça de coitadinha sua sonsa – encarou a superiora que torceu os lábios em sinal de desaprovação – Eu a vi beijando o MEU NAMORADO diretora, depois saiu às pressas com aquele amiguinho idiota para o estacionamento do parque – completou tomando um pouco de água.
Num lampejo de memória, Tatiane enfim entendeu o que ocorria ali. De alguma forma Caroline viu o beijo no escuro e agora pensava ser ela quem estava em companhia de Lucas. Caroline não viu Derick, achou ter visto Tatiane. E agora? Como reagir? Como explicar tudo sem expor o amigo gay?
– Você tem certeza do que viu queridinha? – Tatiane provocou.
– Claro que sim garota – ela respondeu grosseiramente.
– Caroline – a diretora chamou-lhe a atenção – se acalme e conte-me ponto a ponto tudo o que pensa ter visto – observou a garota hesitar, mas por fim começar a falar.
– O Lucas chegou de viajem no sábado, então marcamos de nos encontrarmos no parque ao anoitecer. Tivemos uma briguinha boba, coisa de NAMORADOS – disse olhando para Tatiane que revirou os olhos – Então eu fui embora com raiva dele, só que enquanto esperava o táxi pensei melhor e resolvi desculpá-lo, ai voltei. Liguei várias vezes, mas ele não atendia, procurei pelo parque e segui para a saída. Foi então que passando perto da casa-fantasma, o vi se agarrando com essa ai no escuro – tornou a encarar Tatiane.
– Espere um minuto – a diretora interrompeu o relato – No escuro? – questionou – Mas se estava escuro como você sabia que era a Tatiane? – ficou encarando-a e Tatiane aguçou os ouvidos para ouvir a explicação.
– Bom, ver, ver eu não vi – Caroline ficara confusa e imediatamente tornou a subir no salto – Mas tenho certeza que eram os dois, ela e aquele amiguinho. Vi ambos deixarem o lugar quando me aproximei para tomar satisfação.
A história complicou-se. Como Tatiane sairia dessa? Se dissesse que beijara Lucas ficaria como culpada (ou quase isso, já que tecnicamente ele não estava comprometido), se contasse a verdade Derick seria exposto, tornando-se chacota pelo resto do ano. E agora?
Então de repente a porta é aberta bruscamente para surpresa de todos. A diretora olhou atônita para a ousadia de Lucas que invadia sua sala sem se fazer anunciar.
– Diretora, eu também quero falar – fez uma pausa para recuperar o fôlego – é tudo mentira da Caroline – completa observando a cara surpresa das três.
A diretora estava espantada com a ousadia, logo à frente a ex-namorada esboçava a falsidade de um “me perdoa amor, foi sem querer” e então, ao lado dela, a vítima, corada de vergonha.
– Fui eu – ele prossegue – Eu beijei a Tatiane contra a vontade dela.
Caroline arregala os olhos irritada, a diretora não sabe o que dizer e Tatiane não sabe se fica enraivecida por ele mentir ou grata por proteger a “reputação” do colega.
– Isso é verdade Tatiane? – A diretora encarou a garota – Ele a assediou, foi isso? – Mas a garota só conseguia pensar em uma coisa: O Derick me paga quando eu sair daqui.
Então, diante do silêncio, Lucas continuou:
– Foi por uma boa causa. Disseram-me que ela nunca havia beijado então pensei em ajudar. Não imaginei que iria virar essa confusão – se fez de bom moço quando na realidade estava aliviado por acreditarem na história. Afinal, sua “reputação” também estava em jogo.
A diretora respirou fundo, irritada. Então se dirigiu aos três num longo sermão:
– Vocês e suas confusões. Aqui ninguém é criança, precisam aprender a resolver os conflitos de forma racional e não como animais. Vou dar uma advertência para todos e não quero ouvir outro pio sobre este assunto, estamos entendidos? – resmungou recebendo do coordenador os documentos para que eles assinassem. Formalidades cumpridas, o trio deixou a sala bastante estressados.
Caroline saiu na frente furiosa, amparada pelas amigas seguiram para o banheiro. Lucas não falou com ninguém, apenas sumiu no fim do corredor, e Tatiane, ela foi recepcionada pelos amigos com um forte abraço, porém, descontou toda aquela situação no braço de Derick, dando-lhe um suculento beliscão: – Você está em dívida comigo – disse ao observar seus olhos marejados pelo nervosismo. Ele já podia respirar aliviado, não fora desta vez que tivera o segredo revelado.
Amigo não se pede,
não se compra,
não se vende.
Amigo a gente sente!
– Machado de Assis, citação