A revista Época acusa gays de serem os principais grupos de riscos de DST
No dia 29 de março de 2018 a revista Época posta uma matéria chamada O novo Azulzinho onde ela coloca em destaque que: A PrEP está mudando o comportamento sexual de grupos de risco, sobretudo dos gays. Eles estão abandonando a camisinha, contribuindo para o aumento de doenças sexualmente transmissíveis.
Só que essa atitude da revista Época traz um estereótipo que somente os gays aumentam o risco de aumentar a contaminação de DST. Até Rico Vasconcelos que foi entrevistado pela revista sobre o assunto ficou indignado em como a matéria foi totalmente deturpada.
Rico diz: Repleto de equívocos que reforçam estigmas sobre temas que já estão soterrados de preconceitos, como por exemplo o fato analisado com julgamento moral de que gays são promíscuos, ou que somente os gays precisam se preocupar com HIV. Informa de maneira errada sobre o que é PrEP e PEP, troca nomes de entrevistados e joga no lixo tudo o que conversamos em horas de explicação.
Abaixo o desabafo de Rico sobre a matéria da Revista Época:
>> Trecho da reportagem de capa de ÉPOCA
As noites de quinta-feira na Danger, uma conhecida casa noturna gay do centro de São Paulo, são dedicadas ao sexo. No palco, go-go boys fazem apresentações de striptease enquanto uma turba animada se esbalda na pista de dança. É numa saleta propositalmente lúgubre, do lado esquerdo do banheiro, conhecida por dark room, que a temperatura ferve. Ali, entre paredes e teto pintados de negro, iluminação fraca composta de luzinhas azuis, grupos de homens jovens e de meia-idade — de todas as raças e estratos sociais — reúnem-se para se masturbar, fazer sexo oral ou transar com parceiros conhecidos ou não — à vista de quem queira.
Numa madrugada recente, por volta de 1 hora da manhã, dez garotos se divertiam na sala escura. Encostados na parede, dois transavam sem preservativo. Num outro canto, uma dupla — um rapaz baixo, de cabelos espetados, e uma travesti de cabelos escuros, saia preta e blusa branca — também fazia sexo. Usava proteção. Havia quem apenas se beijasse, quem usasse drogas ou apenas exercitasse o voyeurismo.
Dali a duas horas, contavam-se cerca de 30 pessoas na salinha. Um dos garotos que estava lá desde o início da madrugada já havia tido relações sexuais com quatro homens. Em apenas um caso com camisinha — a pedido do marido do sujeito, que lhe forneceu o preservativo. Durante horas e horas, a população flutuante — de maneiras e timing distintos — aproveitou o que a sala tinha de melhor a oferecer.
Eram 5 da manhã quando dois seguranças altos e gordos, de camisa e calça pretas, entraram com a autoridade de uma tropa de choque, apontando um raio laser verde para o teto que lembrava a série de filmes Star wars. “Acabou, pessoal.” Pelo chão, entre latas e copos amassados, embalagens de pirulito e bebida ressecadas, contei apenas oito camisinhas usadas jogadas no chão.
O sexo sem proteção, infelizmente, ainda é uma prática comum entre os brasileiros — sobretudo os mais jovens. Uma pesquisa feita pela empresa Gentis Panel em 2016 indicou que 52% da população nunca ou raramente usava preservativo. O ibge perguntou a adolescentes, em duas ocasiões, se tinham se prevenido na última relação. Em 2012, 75,3% responderam “sim”. Três anos depois, foram 66,2%.
A consequência foi o aumento notável nos índices de contaminação pelo HIV — o vírus que causa a aids — e outras doenças sexualmente transmissíveis, principalmente entre o sexo masculino. De acordo com o Ministério da Saúde, entre garotos de 15 a 19 anos, o índice de detecção dos casos de aids quase triplicou: saltou de 2,4 por 100 mil habitantes, em 2006, para 6,7, em 2016. Entre os de 20 a 24 anos, mais que dobrou e está em 33,9 por 100 mil. O aumento entre os adultos de 25 a 29 anos foi menor, mas ainda assim expressivo: de 41,1 para 48,3. No caso das infecções sexualmente transmissíveis, como a sífilis, houve um aumento de 28% de 2015 para 2016 no país.
Os números são assombrosos para um país que, em 1996, criou um paradigma no combate à aids ao universalizar o tratamento antirretroviral pelo SUS e tornar lei o orçamento para o combate à doença. Hoje, o Brasil oferece tratamento para mais de 500 mil pessoas e vem reduzindo há duas décadas o número de óbitos por aids. Mas, na prevenção, o país falhou.
Com o intuito de aumentar o combate à doença, surgiram opções para aqueles com comportamento sexual de risco — como quem tem muitos parceiros ou faz sexo sem proteção. Uma delas é conhecida como PEP, que passou a ser disponibilizada pelo Sistema Único de Saúde em 2010. É como uma pílula do dia seguinte, que deve ser usada em até 72 horas após uma relação de risco ao longo de 28 dias. Ainda que eficaz, apresenta efeitos colaterais muito desagradáveis, como náuseas, diarreias e amarelamento dos olhos. No ano passado, a droga foi procurada por mais de 87 mil pessoas.
Nos últimos tempos, um novo medicamento se tornou tão popular entre os gays que em sites de relacionamento, como o Grindr (o maior deles, com quase 1,5 milhão de usuários, cerca de 20 mil inscritos no Brasil) e o Hornet (1 milhão de usuários), há uma categoria — assim como peso, altura, posição, porte físico — só para informar aos usuários do aplicativo que o indivíduo faz uso do remédio. A informação é considerada um selo de segurança, um tipo de garantia de proteção de que o sujeito está imune ao HIV.
Conhecido por PrEP, sigla de Profilaxia Pré-Exposição, consiste no uso diário, por pessoas não infectadas, de um comprimido azul-claro como o Viagra, chamado Truvada. Desde 2014, o medicamento era comercializado em algumas farmácias brasileiras e, em dezembro, passado passou a ser distribuído pelo SUS. Estudos mostram que sua eficácia na prevenção ao HIV pode chegar a 99%. Seus efeitos colaterais beiram o zero. O medicamento é composto de duas substâncias antirretrovirais — entricitabina e fumarato de tenofovir desoproxila — que têm a capacidade de bloquear o ciclo de multiplicação do HIV no organismo, impedindo a infecção. Entretanto, a droga é inútil na prevenção de outras doenças sexualmente transmissíveis.