Meu Cantinho

Carta para um Amigo Gay

A você, homem, jovem, pós-adolescente, que há algum tempo vem sentindo, percebendo, que há, sempre houve, algo estranho com você; alguma coisa na sua maneira de sentir o mundo que não se encaixa muito bem no ambiente dominante em que vive; que se descobriu diferente, e que sempre teve que esconder essa diferença a sete chaves, sentindo-se ameaçado em sua integridade emocional, física e até mesmo material, caso descobrissem seu maior segredo.

Que percebeu, mas que ainda não queria ver; que entendeu, mas ainda não podia aceitar. Que sente pavor só de pensar que pode ser verdadeiro aquilo que, de repente — ou nem tão de repente assim — começou a entender sobre você mesmo.

Você, que começa a perceber onde pode estar a origem desse seu sentimento de inadequação permanente em relação a todos, a tudo; esse sentimento de mágoa levando à quase constante rebeldia sem causa aparente; e que, por essas e outras, já perdeu tantas e boas oportunidades de poder realizar algo mais interessante em sua (que você assim considera) limitada vida…

Que se assusta em pensar que, afinal, “eles” tinham razão. Que podem ser verdadeiras aquelas suspeitas atiradas contra você em muitos momentos da vida … pelo pai, pelo irmão, pelo amigo, pelo colega invejoso da escola…

A você que há algum tempo se sente diferente em relação aos homens, aos jovens como você, ao amigo próximo, àquele rapaz interessante da turma, àquele cara que você desejou um dia estivesse doente para que você, só você, pudesse dele cuidar em segredo…

A você, meu caro, que sentiu atração e afinidade por outros iguais antes mesmo de saber que esse sentimento era normal, humano, e tinha um nome.

A você, que começou há algum tempo se esquivar dos amigos, que percebe que algo em você não é igual a eles, a seu pai, a seus irmãos, seu avô, ao professor, ao profissional que você admira, aos outros homens do mundo, enfim…e que começou a pensar que esse algo diferente pode ser um monstro ameaçando destruí-lo.

A você que, já meio cansado, começou a fugir de situações em que possa ser colocado à prova, cobrado, exigido… (ah, como o mundo é cruel conosco…).

A você que já terá sido vítima do que hoje chamam de “bullying”, mas que nada mais é do que manifestação da perversidade humana, ainda que crianças… Que já foi chamado de bichinha, mulherzinha, boiola, veado, veadinho… se assustou e chorou sozinho por isso. A você que também já chamou outros garotos com as mesmas doloridas palavras com que te agrediam, tentando com isso marcar uma distância, uma distinção clara em relação àqueles que, ao contrário de você, não conseguiam, nunca conseguiram, esconder-se.

A você que já há algum tempo se acostumou a ouvir piadinhas e insinuações sutis, risinhos irônicos, comentários maldosos sobre sua sexualidade, cobranças para que tivesse um comportamento que (a maioria) o mundo julga ser o padrão a ser imposto a todos.

A você, que já fugiu de tantas meninas e jovens mulheres que deram em cima de você, que quiseram ficar, beijar, transar, quase imploraram para namorar com você. Que já inventou mil desculpas para não ir àquele passeio, acampamento, viagem com os amigos, as amigas, com medo de que pudesse, uma vez mais, ser posto à prova em sua “masculinidade”, cobrado a ter o comportamento esperado de um homem “normal”. Que já cansou de mentir ao pai, à mãe, aos amigos, aos irmãos, à avó, que não tem namorada porque não quer, porque está estudando muito, trabalhando muito, ocupado demais, porque não encontrou sua cara-metade, que não vê sentido em namorar por namorar …

A você, caro amigo, que já terá ouvido o pregador de sua igreja (padre, bispo, cardeal, rabino, pastor, palestrante, ou o titulo que tenha a autoridade religiosa da comunidade que frequenta, ou frequentou) condenar aqueles que sentem atração por pessoas do mesmo sexo (embora em alguns casos fizesse ele, o pregador, às escondidas, o mesmo que condenava às claras, como você descobriu muito tempo depois). E que, por saber-se diferente, um “pecador” incorrigível, abandonou tudo… “Virou ateu”, não sem antes ter sentido muito medo de ir pro Inferno por ser como é…

A você, que sentiu-se incluído numa condenação coletiva ao ouvir alguma “autoridade moral” dizer que psicólogos e psiquiatras asseguram uma relação inequívoca, científica, inquestionável, entre homossexualismo e pedofilia, sem, entretanto, explicar porque os pedófilos abrigados em instituições respeitáveis jamais foram punidos, e muitas vezes puderam continuar fazendo vítimas.

A você que talvez já tenha até sido bolinado, seduzido com o auxílio de sua curiosidade infantil, por um desses pedófilos de plantão, talvez vizinho, tio, padrasto, ou sabe-se lá por que outra “autoridade”… Que demorou anos para entender que você não era o errado naquela história que ainda mantém guardada e que jurou que levaria para o túmulo, sem ninguém jamais saber de nada.

A você que já buscou terapia para resolver esse “problema” e gastou muita grana com infindáveis sessões com pseudo-psicólogos que lhe prometeram a “cura” desse (que eles consideravam) desvio, após explicarem minuciosamente, recorrendo às mais estravagantes teorias, que você não é assim, mas ficou assim por isso e por aquilo, sem que, muitos deles, ou todos eles e elas, jamais tivessem sentido na pele o que é aquilo sobre o que discorriam com tanta “sabedoria”, pois estudaram Freud e julgam entender do assunto melhor do que nós… E que, pior de tudo, acreditou neles…

A você, que já teve medo de nunca ser homem, de que um dia descobrissem isso e fosse humilhado, arruinado, abandonado, condenado por aqueles que mais ama, incondicionalmente, temendo que o amor deles, ao contrário do seu, não seja incondicional. (Como se ser homem fosse algo determinado unicamente pelo sexo daqueles por quem sente atração, que o satisfazem e a quem você satisfaz sexualmente).

A você, que estando num vestiário, na piscina, no seu clube, na escola, já teve muita vontade, mas medo de olhar, ainda que de soslaio (palavrinha antiga, né?, mas não encontro outra mais apropriada) aquele seu colega, de sunga ou nu … Que jamais teve a ousadia (sim, pra você isso seria ousadia demais) de desnudar-se na companhia de seus iguais, sentindo vergonha de seu corpo, ou medo de uma imaginária ereção incontrolável que denunciasse o desejo que você ainda nem mesmo sabia existir…

A você, que em seus momentos de prazer solitário já conseguiu ter a coragem (nós sabemos que foi preciso ter muita coragem para isso) de se imaginar numa condenável mas inocente brincadeira a sós com aquele colega bonitão de quem você tanto gosta, que tanto admira, de quem tanto quer se aproximar… e que agora começa a admitir, tanto deseja…

A você, que já pensou que suas diferenças em relação aos outros homens decorriam do fato de não ser assim tão bonito, sarado, inteligente, rico, culto, charmoso (e porque negar?, tão bem dotado) como eles…

A você, que já chorou sozinho e em silêncio, com medo de que alguém pudesse desconfiar desse segredo guardado no fundo do quarto escuro…

A você que já sofreu demais por ser como é, sentir-se como é, condenado por antecipação, sem que tivesse tido a oportunidade de escolher ser como é, de decidir se queria ou não ser assim.

A você que, enfim, concluiu que não aguenta mais esse sofrimento, que basta, que agora sabe que não dá mais pra negar que é como é. Que as coisas são como são… Que finalmente teve a coragem de se olhar no espelho, enfrentar a própria imagem.

Quero dizer que seu mundo não acabou, não acabará. Ao contrário. É o começo, o renascimento, o verdadeiro nascimento para uma nova e verdadeira vida.

Dê graças a Deus, se você acredita nEle, ou apenas sinta-se feliz por ter chegado até aqui, íntegro ou nem tanto, mas podendo ver, compreender, conhecer-se, e iniciar uma nova trajetória, mais firme, mais rica, em paz.

A você, meu amigo desconhecido, tomo a liberdade de dizer: aceite-se, antes de mais nada.

Você não está sozinho! Nunca esteve, ainda que não o soubesse, ainda que não admita. Somos muitos milhões como você, que sofremos e choramos pelos mesmos motivos, tivemos e temos medo das mesmas coisas, das mesmas palavras e atos, das mesmas discriminações e condenações, compartilhamos as mesmas dúvidas, os mesmos complexos, que já sentimos a mesma e infinita solidão em nossa insuperável “diferença”.

Verá, aos poucos, que a luz entra em seu armário, aquece seu coração, abranda sua couraça. Não precisará dele (do armário) sair, enquanto não quiser, mas poderá nele viver mais confortavelmente, enquanto quiser e precisar. E não confunda a saída com a perda de si mesmo. Não entenda a saída como a obrigação de declarar ao mundo o que é, o que sente, como faz, de quem gosta.

Pois não pode ser feliz aquele que não se conhece; nem aquele que, conhecendo-se, não se aceita; nem quem, embora se aceitando, não se respeita; ou aquele que se aceita, se respeita, mas ainda não se conforma e insiste em buscar uma identidade que não é, nunca foi, e pelo menos nesta vida nunca será a sua identidade.

Não, você não está sozinho! Ergue a cabeça e segue. Em silêncio, na sua, mas convencido de que você tem tanto direito à vida e à felicidade quanto qualquer outra pessoa que está aqui neste mundo. Você não escolheu ser assim. Mas pode escolher entre ser feliz ou não!

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