Contos

Comecei a ir à igreja, e surgiu a tentação do Kaio – Parte 2

Kaio sentou-se no banco do piano, como se fosse tocar o instrumento. Eu sentei numa cadeira de plástico que estava próxima.

– Toca Oh happy day aí! – falei, tentando quebrar o gelo.

Kaio nem se deu ao trabalho de responder. Estava muito sério.

Estávamos a sós na sala de ensaios, que geralmente não era utilizada após o culto dominical da manhã.

Depois da minha piadinha ter falhado, fiquei na minha, com ainda mais medo que ele tivesse me chamado para tomar satisfação da punheta que bati pensando nele. Como ele saberia disso, eu não sei. Talvez o “gaydar” dele tivesse soado, e de alguma maneira ele tivesse detectado o meu ato libidinoso. É, deveria ser isso.

Kaio estava visivelmente escolhendo as palavras e quando decidiu falar, eu me encolhi, como se fosse levar um soco:

–      Cara, que conversa é essa de que eu não gosto de você por causa da Aline?

Travei. Buguei. Como é que é?

– Como é que é? – foi tudo o que consegui dizer.

Kaio disparou:

– Você sabe o problema que isso deu com a Dani, velho? – E ele estava alterado e tinha aumentado o tom de voz. – Agora é melhor você se ligar, antes de ficar falando essas besteiras por aí…

– Calma aí Kaio, deixa eu explicar… – falei, interrompendo-o.

Kaio prosseguiu.

– … depois que eu terminar! Mano, eu sempre fui mó educado com você, e tals, nunca que saí falando de você pelas costas, mesmo você namorando uma ex minha… aí você vem e me apronta uma palhaçada dessas? Então antes de sair por aí falando merda, se ligue bem: não é por causa da Aline que eu não gosto de você. Eu não vou com a tua cara, mano!

Ele parou, esperando uma reação minha. Fiquei imóvel, olhos vidrados nele. Então ele continuou:

– Sempre tratei você com respeito, pois essa é a minha índole, mas eis que você mostra a sua cara. Pois é nessas horas que percebo como fiz bem não dar ousadia para tipos como você. Um cara, na casa do Senhor, com fofoquinha. Você é do tipo que me dánojo. E não faço questão alguma de me relacionar com gente feito você.

Finalmente ele parou, e estava ofegante. Eu tremia dos pés à cabeça. Tremia de raiva, por ter que ouvir os desaforos e inverdades calado. Tremia de nervoso, pelo susto de ver Kaio, o cara pacífico e boa praça se descontrolar daquele jeito por minha causa. E tremia de tristeza, pois nunca tinha sido tão rebaixado na minha vida.

–      Pode falar o que você quiser. – Kaio disse, ainda com raiva.

–      Se você não faz questão de se relacionar com gente como eu, Kaio, então não tenho mais o que dizer.

–      Imaginei.

Nos levantamos em silêncio, o clima pesando entre nós, e saímos da sala de ensaios.

Eu estava passando mal. Fisicamente passando mal. Ali eu era o lixo dos lixos. Não sabia que a opinião do Kaio sobre mim fosse tão importante, mas talvez nem fosse isso, talvez fosse pela humilhação, ou pela injustiça.

Acabamos nos reencontrando logo em seguida, na reunião para decidir as atividades do acampamento. Logo de início deu para perceber o climão entre nós dois. De duas sugestões que dei, Kaio se opôs a todas e então deixei para lá e fiquei calado, concordando com qualquer coisa. Eu só queria sair dali.

O Gêgê ficou olhando de um lado para o outro, tentando entender o que danado havia acontecido. Vendo que aquela reunião não ia dar em nada e, provavelmente, partilhando do mesmo constrangimento que Inês e Felipe Miranda, Gêgê decidiu postergar a decisão.

– Acho melhor a gente fazer assim: – Gêgê falou, meio contrariado. – Vocês me mandam as sugestões pelo Messenger, eu escolho algumas e decidimos juntos.

Todos concordaram, e com menos de dez minutos de reunião, ela estava acabada.

Assim como eu.

***

São os momentos difíceis, o Pastor Miguel falou certa vez, que provam o valor do fiel. Mas são os momentos difíceis, e agora é citação minha mesmo, que provam que o Senhor não tem misericórdia alguma.

Não me leve a mal, não penso isso de verdade. Mas do jeito que eu estava me sentindo, com o estômago embrulhado e vontade de chorar, eu tinha que culpar alguém.

Quando cheguei em casa, liguei o computador e entrei no bate-papo do UOL. Escolhi alguma das salas de “sexo” e coloquei o meu nick: Lazarus. Aquele que estava morto e Jesus o fez vivo novamente.

Eu estava morto, procurando o meu Jesus Cristo no bate-papo do UOL. Se Nelson Rodrigues estivesse vivo, talvez escrevesse algo sobre isso.

Entrei numa das salas e fiquei ali, olhando para tela e sentindo pena de mim mesmo. O melhor Jesus que consegui encontrar, foi um tal de AutoFellatio que falou comigo:

AutoFellatio fala reservadamente para Lazarus: É por causa do Poço de Lazarus do Ra’s Al Ghul? Haha.

Pensei em não responder, mas a pergunta tinha sido tão fora da casinha, que não pude deixar passar.

Lazarus fala reservadamente para AutoFellatio: Hã?

AutoFellatio fala reservadamente para Lazarus: Do Batman, pow!

Lazarus fala reservadamente para AutoFellatio: Ahh, não. É bíblico.

AutoFellatio fala reservadamente para Lazarus: Lugar inusitado pra ser bíblico kkkk.

Lazarus fala reservadamente para AutoFellatio: Hehehe. E o seu?

AutoFellatio fala reservadamente para Lazarus: Não é bíblico!

Lazarus fala reservadamente para AutoFellatio: KKKKKKKKKKKKKK

AutoFellatio fala reservadamente para Lazarus: É um termo em inglês para sexo oral.

Lazarus fala reservadamente para AutoFellatio: Ahh, entendi! Kkkk então basicamente vc se chupa?

AutoFellatio fala reservadamente para Lazarus: Basicamente.

Lazarus fala reservadamente para AutoFellatio: Posso ver?

Fomos para o privado e ligamos as nossas webcams. AutoFellatio era um cara de uns 30 anos, que morava em Santa Catarina. Não precisamos de mais detalhes para começar a putaria.

AutoFellatio tinha um pau enorme, branco e reto, cuja cabeça ele conseguia chupar com facilidade. Ele me pediu para mostrar o meu, e coloquei o meu cogumelo para fora. Ele pediu para eu tentar me chupar, mas não consegui. Fiquei batendo uma, enquanto ele se masturbava e se chupava.

Pedi para ele enfiar um dedo no cu e ele prontamente me atendeu. E não parava de se chupar. Quando não estava se chupando, ele se masturbava usando as duas mãos. Perguntei quanto media o pau dele, ele respondeu que nunca mediu.

Continuamos a putaria até que eu lembrei do que o Kaio havia falado…

“Você é do tipo que me dá nojo. E não faço questão alguma de me relacionar com gente feito você.”

Enquanto batia uma freneticamente, comecei a chorar descontroladamente.

– Cara, o que aconteceu? – AutoFellatio falou, interrompendo o auto-boquete.

– Desculpa cara. Desculpa estragar a tua diversão. Já estraguei muita coisa por um dia só. Não aguento mais.

– Você tá bem, Lazarus?

– Eu só preciso sumir. Desculpa, falou ae…

– Calma cara, vamo conversar! Você tem Messenger?

Trocamos nossos endereços e fomos conversar pelo Messenger. AutoFellatio na verdade se chamava Pierre e fazia mestrado em Filosofia. Já deu pra imaginar, né? A situação que eu me encontrava era um prato cheio para ele.

Contei tudo sobre o Kaio, a igreja e o dilema com a minha sexualidade. Pierre foi um bom ouvinte. Interagiu quando era necessário e deixou que eu falasse na maior parte do tempo. No fim das contas era isso o que eu precisava naquele dia: simplesmente ser ouvido.

– Dan, pelo que eu vi vc se cobra demais. Se culpa demais. A culpa não é sua mlk, é do Kaio!

– Saber disso, não ajuda mano. Estou muito confuso com tudo…

– Dá pra perceber. Vc precisa descansar!

– Tá me dispensando, Pierre? Haha

– Jamais. Tenho a madrugada inteira, se vc quiser!

– :-3

– ?

– É, eu preciso descansar mesmo. Valeu pela ajuda Pierre. Você foi uma grata surpresa!

– Nos falamos depois?

–  Claro!

Nos despedimos e fui dormir. De repente, o sufoco havia se atenuado e eu estava mais leve.

***

No culto da quarta-feira o tema foi sobre a valorização da vida. Como cheguei atrasado, peguei o sermão no meio. O Pastor Miguel falava de como a vida era sagrada, um presente do Senhor, e que violá-la era o mesmo que afrontar o amor d’Ele por nós.

Mais uma vez achei que o sermão fosse para mim. Minha vida dupla de pecados era a profanação do meu corpo, a violação do presente sagrado do Senhor. Baixei a cabeça com humildade e orei. Orei para que Ele guiasse a minha vida perdida.

Ao sair do culto, comentei com o Gêgê sobre o tom pesado do sermão e ele se virou para mim, espantado:

– Você não está sabendo? O Kaio tentou se matar.


Continua…

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