Comecei a ir à igreja, e surgiu a tentação do Kaio – Parte 4
Fui do inferno ao céu em menos de uma semana. Voltei para casa ao som de The Reason do Hoobastank e mal sabia eu que aquele momento seria tão marcante na minha vida, que lembraria da música que tocava em repeat no meu mp3 player, para sempre.
A música dizia:
I’ve found a reason for me
Eu encontrei uma razão para mim
To change who I used to be
Para mudar o que eu costumava ser
A reason to start over new
Uma razão para começar de novo
And the reason is you
E a razão é você
Quando cheguei em casa, corri para falar com Pierre e dividir a minha alegria. Ele, como sempre, estava lá, me esperando. Ouviu o meu relato com paciência, mas não foi com muito entusiasmo que ele disse:
– É, pelo visto foi por sua causa q ele tentou se matar. Fico feliz por vc, se é que se pode ficar feliz por alguém que ganhou uma tentativa de sucídio como prova de amor…
– Calma senhor! – Às vezes eu tratava Pierre como se fosse muito mais velho que eu. Nós dois gostávamos disso. – Claro q eu fiquei muito animado hoje, mas não posso meter os pés pelas mãos, afinal, nós dois ainda somos meninos de Deus.
– Vai ser uma luta difícil essa, hein? Contra Deus.
– Obrigado por me animar! ¬¬
– Cara, a gente se conhece a pouco menos de uma semana e já parece q fazem anos. O que isso significa? – Pierre falou, mudando de assunto.
Eu sabia onde ele queria chegar. Talvez ele estivesse realmente se apaixonando por mim. Só assim para um cara de 30 anos, bem resolvido e bem sucedido, estar todos os dias esperando por um moleque e fazer essa pergunta em particular. Desconversei:
– Significa q eu sou um cara muito gente boa e carismático.
– E convencido. Kkkkkkkkk
– Mas diz aí, o que vc acha que eu devo fazer em relação ao Kaio? – Era cruel que eu voltasse a falar do Kaio, mesmo com a possibilidade de Pierre estar apaixonado por mim, mas tudo o que eu queria falar naquele dia era sobre o Kaio. Bem coisa de gente apaixonada, que não sabe conversar sobre outra coisa.
Pierre demorou para responder. E enquanto ele não respondia, fiquei fuçando o Orkut do Kaio, vendo as comunidades que ele participava e me inteirando sobre as coisas que ele gostava ou não. Vi que ele não gostava de acordar cedo, que já deu cólera do dragãono chuveiro (kkkk) e que gostava de P.O.D e Oficina G3. Ótimo! Eu também gostava das duas bandas, então ficaria fácil puxar conversa sobre música.
Entrei no álbum de fotos dele, e fiquei vendo as fotos de umas férias que Kaio e a família passaram no Guarujá. Aquele corpo magro, mas definido, dourado devido ao efeito do sol, me despertou o desejo na hora.
E lembrando do que aconteceu no hospital, tirei o meu pau já duro para fora e iniciei uma punheta. Ia mudando as fotos do álbum e mesclando as imagens com as lembranças do cheiro dele, da barba dele no meu rosto e do volume do pau dele marcado sob os lençóis.
Deveria ter beijado ele ali mesmo no hospital. Perdi essa oportunidade. Vendo ele sorrindo nas fotos, molhado após tantos banhos de mar, só consegui imaginar aquela boca colada na minha. Nossas salivas de misturando e nossas línguas dançando um balé sem ensaios, tentando encontrar o movimento perfeito sob a tutela dos nossos desejos.
Eu estava a ponto de ejacular. Cuspia na cabeça de cogulemo do meu pau, pois a minha lubrificação natural já não bastava, tamanha era a socada que eu dava.
Meus pelos se arrepiaram. Com uma mão eu ia trocando de foto no álbum do Orkut, com a outra batia uma punheta com vigor e com a mente repassava todos os momentos com ele no quarto do hospital.
Quase ao mesmo tempo em que o meu prazer jorrou em líquido branco, Pierre respondeu:
– Acho q vc deve ir com calma. Se ele tentou se matar, esse deve ser um assunto muito delicado para ele. Tenta conversar com ele à sós, mas não vá direto ao assunto. Deixe q ele fale, qndo se sentir preparado para falar. E o mais importante: qndo vcs se reencontrarem, veja como ele reage à sua presença.
– Sim senhor! – respondi, enquanto limpava a minha barriga toda gozada com uma toalha de rosto. – Vou fazer isso meu irmãozão.
– Preciso ir.
– Ok. Boa noite e durma com Deus!
– Boa noite e durma bem!
– Ei.
– Fale!
– Eu sei q vc não acredita nessas coisas, mas vc se importa se eu orar por vc?
– Claro q não! E mesmo não acreditando, saiba que isso significa muito pra mim.
– Pois vou colocar vc em minhas orações :D.
***
No domingo seguinte, a minha expectativa em rever o Kaio – que já havia recebido alta–, era grande. Para a minha decepção, ele não apareceu.
Aline, sim.
Quando ela veio, toda saltitante, se jogando nos meus braços, vi que tinha outro problema para resolver. Não nos falávamos muito durante a semana, sob o pretexto de que precisávamos focar nos estudos. Como morávamos longe um do outro, basicamente nos víamos apenas na igreja, nos dias de culto.
Aline era uma garota bacana, daquelas crentes magrinhas e de cabelo longo. Era divertida, compreensiva e eu gostava de passar o tempo com ela. Para mim, ela era mais uma amiga que eu beijava na boca, do que uma namorada propriamente dita.
Era fácil conduzir o namoro com ela, pois eu não precisava demonstrar o meu desejo sexual inexistente pela garota, já que a nossa religião não permitia isso. E também era perfeito para encobrir o meu pecado. Durante um tempo eu achei que ela pudesse ser o mecanismo escolhido pelo Senhor para me converter em um de seus benditos. Mas depois do que aconteceu com o Kaio no hospital, Aline, coitada, havia se tornado um completo estorvo para mim.
O tempo que levou entre ela correr, pular e me dar um abraço, foi o tempo que eu precisei para decidir acabar com ela. É Senhor, pensei de maneira herege, vai ter que fazer bem mais que Aline para me manter no Teu caminho.
E depois desse pensamento, tive vergonha de mim mesmo.
Existe um conceito, acho que é da psicologia, que fala sobre a compartimentalização mental, ou a habilidade que alguém possui para conviver bem com pensamentos e conceitos contraditórios. Orwell chamou de duplipensamento. É mais ou menos isso o que pessoas como eu possuem. Embora saibamos dos dogmas e restrições da nossa fé, quando estamos embalados pelo furor homoafetivo, agimos de maneira indiscriminada em relação às proibições da doutrina religiosa.
Isso não é, de todo, um problema. O problema é quando a compartimentalização mental falha, e o conflito entre crenças opostas aparece. E para quem é muito cristão e muito gay ao mesmo tempo, esse problema é algo recorrente.
Mas naquele momento eu só tinha que lidar com outro problema, que ironicamente, tinha a ver com o fato de eu “ser” hétero.
– Oi Aline. – falei, retribuindo o abraço, mas sem muita animação.
– O que foi, Dan? Algum problema?
Como é difícil acabar com alguém, não é mesmo? Deveriam ensinar isso na escola.
– Só um pouco cansado. Qual a boa?
– Vamos no Black Dog hoje?
– Pode ser, quem vai?
– Poxa, Dan, eu não sou suficiente?
Sorri e dei um beijo na bochecha dela. Graças a Deus, mulheres tem o hábito de responder às suas próprias perguntas. Aquela lógica interna maluca.
– Ahh, bom! Assim que eu gosto! Mas chamei a Inês e o namorado dela. E chamei a Dani também, ela está precisando relaxar, conversar bobagens.
– Por causa do que aconteceu com o Kaio, né?
– Com o Kaio, nada! Come ela! O Kaio acabou o namoro com ela. A coitada está arrasada.
Foi com uma força moral ENORME que eu não abri um sorriso na frente da Aline. E um pensamento nada cristão passou pela minha mente: tadinha, Aline, logo logo vai acontecer o mesmo com você.
***
– E aí a Dani chorou. CHOROU, PIERRE! Sabe o q isso quer dizer?
– Q vc é um insensível! Kkkkkkk
– Kkkkkkkk. Ela acha q foi por causa disso q ele tentou se matar. Coitada.
– Bom, pelo menos pro Kaio não vai mudar muita coisa. De Daniela para Daniel a diferença é de uma vogal!
Se havia um sarcasmo na frase, a linguagem escrita – sem entonação – me privou dele.
– Nem vou comentar, pq né…
– Kkkkkkkk, esse teu “pq né…” é tão S2.
– Daniel é amor!
– Pensei que a frase fosse “Deus é amor” kkkkkk
– Pierre, estou com vontade de ir na casa do Kaio falar com ele. O q vc acha?
– E eu estou com vontade de ir te visitar aí. – foi o que Pierre me respondeu.
Soltei o ar pelas narinas lentamente. Não queria magoar o Pierre, ter de dizer com todas as letras que eu não queria ter um romance à distância com ele. Esperava que ele sendo mais velho, entendesse sozinho. Mas a esperança é uma merda. Na cabeça dele, provavelmente ele achava que eu perceberia o valor que ele tem na minha vida, e que eu embarcaria em um relacionamento utópico desses.
Pierre não era ingênuo. Ele sabia, tão bem quanto eu, que mesmo se eu quisesse algo, nós dois nunca daríamos certo. O fantasma da minha crença era algo que sempre iria me atormentar e ele não teria paciência com isso para sempre. E a distância que nos separava era outro empecilho. Sem contar na triste realidade de que eu não gostava dele. Pelo menos não da maneira que ele gostava de mim.
– Ahh, Pierre – falei, com toda a delicadeza possível. – Nem vale a pena, viu?
– Ahn.
Pierre estava triste. E isso era uma coisa louca. Há quilômetros de distância, nos comunicando por palavras escritas, e mesmo assim eu sabia que ele estava triste. E aquilo me entristeceu também. Eu tinha Pierre em alta estima, como se fosse um irmão mais velho. Orava por ele todos os dias, desde que nos conhecemos. Torcia por ele.
Mas eu era egoísta. E ao mesmo tempo que não queria magoar Pierre, era bom ter ele por perto, massageando o meu ego e disposto a ouvir tudo sobre a minha vida, até altas horas da madrugada.
Essa história com o Pierre eu vou resolver depois, pensei, preciso resolver primeiro a minha história com a Aline.
***
– Então, é isso… – falei, com aquela cara de cu que a gente faz quando vai acabar com alguém. Meio que pedindo compreensão e decoro, coisas que a pessoa que está sendo dispensada NUNCA vai conseguir cumprir.
– Entendi. – Aline falou, mudando a expressão de incredulidade para uma de raiva. – Entendi tudo.
– Entendeu?
– Entendi. A Dani me falou da discussão que você teve com o Kaio. E depois ele tentou se matar. E não quis ver ninguém quando estava no hospital. E a mãe dele falou que ele deixou você entrar. E depois ele acabou com a Dani. E agora você veio acabar comigo. Entendi tudo!
– Eu que não estou entendendo, Aline…
– Ah é, Daniel? Quer que eu fale com todas as letras? Quer que eu traduza toda a sua falta de desejopor mim em uma palavra? Quer mesmo?
Eu fiquei furioso.
– Quero! – falei, desafiando-a.
Aline se aproximou de mim e literalmente cuspiu a palavra na minha cara:
– Viado!
Continua…
E pra deixar esse conto ainda melhor hoje iremos compartilhar um filme que tem tudo haver com o conto:
Nome do Filme: The Falls
Sinopse: The Falls é um filme sobre dois missionários que se apaixonam, enquanto em missão. RJ viaja para uma pequena cidade no Oregon com o Élder Merrill para servir sua missão e ensinar a palavra de Joseph Smith. Viver juntos e partilhar o desafio de sair de casa, os dois homens ajudam uns aos outros a descobrir seus pontos fortes. Eles compartilham uma paixão por sua fé e aprender a expressar seus sentimentos, arriscando a única comunidade cuja intimidade é proibida.
PS. Não esqueçam de comentar com as sua opinião, sugestão ou crítica, para sabermos o que está achando, pode ser anônimo!
A história é excelente, mas muito bom também é ler um conto ortográfica, semântica e sinteticamente perfeito como este =)
Eu to amando , eu ja passei por isso . Sou cristão e sei como e o amor gay na igreja
Demais os contos de vocês. Havia tempo que eu não encontrava textos legais assim para ler. O que mais me encanta é a ortografia, e a lógica com o uso das palavras. Vocabulários diferentes. Isso dá muito mais tesão pra coisa 🙂 Parabéns, continuem excitando nossas mentes com as palavras.
Queria muito alguém pra conversar assim ?