Contos

Confusões no Colegial – Capítulo 4 – Roda-Gigante

– Você podia ao menos ter enviado uma mensagem pelo Whatsapp, custava? Já ouviu falar em facebook[i]? Skype[ii]? Email? Correio? Pombo-correio? Telepatia? ou seja lá qualquer outra forma para demonstrar que se importa? – A cada palavra pronunciada, Caroline dava um cutucão imprensando o namorado contra uma árvore nos arredores do parque de diversões.

A noite estava fria. Era possível ver algumas nuvens cruzando o céu clareado pelo luar. O local estava bastante movimentado. Roda-gigante, montanha-russa, carrinho de bate-bate, tudo coberto por luzinhas coloridas de neon.

– Quer saber Lucas, não vale a pena estar com você. – Caroline dá de ombros e o namorado fica a observá-la pelas costas. Seus belos cabelos ondulados balançavam com a brisa. – Vai fazer um ano Lucas, um ano que estamos juntos e eu, eu só perdi meu tempo com você – completa indignada sentindo o garoto se aproximar.

– Gata – ele busca a melhor forma para apaziguar a situação – vem aqui, você está exagerando, não é para tanto. – Delicadamente, toca seus braços expostos fazendo-a afastar-se bufando.

Não me toca – Caroline resmunga, faz uma pausa e depois prossegue – Eu acho que precisamos, – ela olha para o céu – precisamos dar um tempo – passa as mãos pelos braços afugentando o frio e continua – É o melhor Lucas – justifica-se – Estou cansada, tenho muitas coisas na cabeça e, vai ser melhor para os dois. – Então, sem dar novas explicações caminha em passos apressados rumo ao ponto de táxi, deixando o garoto para trás, sozinho e ainda confuso.

* * *

“Não deixe nada pra depois, não deixe o tempo passar… Não deixe nada pra semana que vem, semana que vem pode nem chegar…” [iii]– Derick, Tatiane e Lizi aguardavam a vez na fila da montanha-russa. O rock da Pitty completava a frenesi do brinquedo. Eles cantarolavam totalmente desafinados, não se importando com quem estivesse atrás, afinal, quem prestaria atenção já que o som estava alto?

Estamos chegando, estamos chegando, estamos chegando… – Lizi dava pulinhos enquanto a fila se movimentava. Cada carrinho tinha a capacidade para três ocupantes. A garota entrou primeiro, seguida por Derick que se acomodou no meio e Tatiane na outra ponta, morrendo de medo da altura. A baixinha enxergava tudo embaçado, já que precisara retirar os óculos para não perder no brinquedo.

Então a música mudou, começaram a tocar Bad Romance[iv] da Lady Gaga. Após o soar de uma buzina, os carrinhos começaram a subir pela plataforma alta. Derick acompanhado de Lizi iniciaram uma contagem regressiva para a descida veloz: cinco, quatro, três, dois, ummm… o carrinho despenca em alta velocidade e os gritos de Tatiane misturam-se às gargalhadas de Derick e a algazarra de outras pessoas logo atrás. O carrinho faz uma curva deixando todos de cabeça para baixo, em seguida de lado, e desce fazendo várias curvas como um redemoinho nos trilhos, até que para na plataforma final.

– AR. RA. ZOU – Tatiane diz trêmula descendo do brinquedo. Enquanto coloca os óculos, observa a amiga segui-la um tanto enjoada.

– Você está bem Lizi? – Derick pergunta notando a palidez.

– Estou – a colega esboça um sorrisinho mentiroso – Só me sinto um pouco tonta – completa respirando fundo para não vomitar.

– Uh, mas não era você a garota que adorava brinquedos radicais? – Tatiane diz tirando sarro com a colega, então resolvem parar por alguns minutos até que ela se recupere. Eles compram pipocas e sentam-se num banquinho de frente ao estande de tiros ao alvo. Lá dentro, vários brindes para quem acertasse as garrafas coloridas. Derick aproveita o momento e sugere uma selfie para guardarem de recordação. Os três fazem pose, ele focaliza a câmera do celular e click, a noite fora eternizada.

– Ah, essa não valeu – Tatiane não demora a reclama, observando a imagem exibida na tela do celular – olha como meu rosto ficou gordo, olha meu nariz – resmunga querendo apagar.

– Que nada garota, você está linda. – Derick toma o celular de suas mãos, analisando a fotografia.

– Nossa, ficou muito show – Lizi parecia melhor – vejam com a roda-gigante saiu colorida. – aponta para o brinquedo registrado no fundo da imagem.

ISSO MESMO – Tatiane levanta enérgica – Agora vamos para a roda-gigante. O que acham? – Sugere dando a opção, não aceitaria não como resposta. Assim, de braços dados, os três seguem para o brinquedo na lateral do parque.

* * *

Filas, filas e mais filas – Lizi cantarolava nada animada, aguardando a vez da multidão logo à frente – Será que existe algum brinquedo para o qual não tenha filas? – olhava ao redor, mas tudo estava cheio: do bate-bate ao carrossel, da montanha-russa á casa-fantasma.

Quando já estavam prestes a desistir, enfim ouviu-se a voz do funcionário chamando por mais dois. Seguiram em trio rumo á escadinha de acesso e o homem não permitiu a entrada do terceiro. Como Lizi e Tatiane estavam na frente, Derick precisou esperar pela próxima cadeira, elas possuíam apenas dois lugares, e para sua sorte, não demorou a descer.

Tocava a música Thriller [v]do Michael Jackson quando um senhor acompanhado de uma garotinha deixaram o brinquedo passando a vez para o próximo. O garoto correu e sentou-se do lado direito, aguardando o parceiro. De lá, pôde ouvir uma voz masculina que vinha da fila abaixo:

– Pode passar na frente companheiro.

Havia um casal de namorados parado ali, o rapaz – um cara alto e forte – cedia a vez para alguém que estava oculto logo atrás. O objetivo do homem era desfrutar da paisagem em companhia da namorada, mas como Derick já havia subido, decidiram esperar pela próxima cadeira.

Então Derick observou um garoto subindo as escadinhas. Ele aproximou-se ajeitando a jaqueta escura e sentou-se ao lado, pedindo licença ao abaixar a trave de proteção. Derick desviou o olhar, procurando as colegas nas cadeiras logo acima, porém era impossível avistá-las, sua posição não favorecia.

A roda-gigante começou a subir e parou na diagonal, deixando ambos suspensos no ar. De lá podiam reparar a bela paisagem noturna do parque, o vento soprava levemente esvoaçando-lhes os cabelos e trazendo consigo o cheiro quentinho de pipoca recém-estourada.

Então o celular de Derick vibrou no bolso, ele o retirou e com alguma dificuldade ligou a tela, visualizando duas mensagens recebidas:

“Descemos. Liz não está se sentindo bem”.

“Encontramos você próximo aos banheiros, Tati.”

– Que chato cara – Derick exclamou, chamando a atenção do garoto sentado em silêncio logo ao lado.

– Falou comigo? – ele virou-se a questionar. Estivera com os pensamentos distantes observando as luzinhas da cidade.

– Não, não, foi mal. – Derick sorriu sem graça − É uma amiga. Não está se sentindo bem. – desligou o aparelho tornando a guardá-lo no bolso. Então ouviu o parceiro bufar:

Garotas – ele diz misterioso – são tão frescas, quaisquer coisinhas já passam mal, quaisquer coisinhas ficam irritadas – completa sem desvia o olhar do horizonte distante, o que chama a atenção de Derick.

Após um solavanco, a roda-gigante voltou a girar, e a música de fundo foi substituída por um rock da Legião Urbana.

Puts – Derick exclama enquanto a roda desce, queria romper o silêncio constrangedor que ficara após a exclamação do companheiro – essa música é muito legal – e para sua surpresa o carinha vira-se para ele parecendo querer prosseguir com a conversa.

– Legião manda muito bem – ele sorri e Derick evita olhar em sua direção. Estava envergonhado – Você conhece uma chamada Faroeste caboclo[vi]? – pergunta fitando Derick, que se recorda da canção e passa a sussurrá-la baixinho:

“Ele queria sair para ver o mar e as coisas que via na televisão… juntou dinheiro para poder viajar, de escolha própria escolheu a solidão” – Virou-se sorrindo para o garoto, dando-lhe atenção. Aquilo era estranho, do nada e com facilidade começara a conversar com um cara desconhecido.

– Essa mesmo – o colega sorriu ajeitando a jaqueta de frio – Até o João se deu mal nessa de se apaixonar – resmungou.

– Como assim? – Derick perguntou por educação.

– Deixa quieto. Coisa minha. – o garoto respondeu.

Derick sentia-se sem jeito. Nunca fora tão fácil começar uma conversa com outro cara. E logo ali, numa roda-gigante. Era tudo tão, diferente. Resolveu dar corda àquele diálogo.

– Ah. Fala sério – ele disse − Você começou a falar, agora termina. – estava curioso para saber mais sobre o garoto desconhecido. Foi então que a roda-gigante deu um novo solavanco e parou com a cadeira rente ao chão. Ambos desceram seguindo para a escadinha, e caminhando juntos prosseguiram com a conversa até determinado ponto parque.

– Terminei com a minha namorada – o garoto começou a desabafar – ou melhor, ela terminou comigo – sorriu descaradamente – Mas quer saber cara, acho que nem gostava dela. Era muito fresca, paranoica – chutou uma garrafinha de plástico que rolou em direção a uma lixeira logo ali.

Derick o ouvia falar, mas em sua cabeça passavam mil pensamentos. Aquele garoto era tão atraente, tinha um jeitinho de moleque despreocupado. Porque uma garota iria deixá-lo? Só se estivesse ficando maluca. – Sorriu sentindo o celular tornar a vibrar.

“Derick você já desceu? A Lizi não está legal,

Vou levá-la para o táxi e volto para irmos embora juntos. Tati.”

Interrompendo a caminhada, Derick se pôs a digitar:

“Ok. Vou esperar perto da casa-fantasma. Derick”.

Guardou o objeto e tornou a conversar com o recém-conhecido.

– As garotas são assim mesmo cara. Daqui a pouco sua namorada vai pensar melhor e então volta – tentou dizer algo politicamente correto para a situação.

– Sei – o garoto bufou chutando outra garrafinha − Da última vez que terminamos, ela me colocou um chifre maior que o das renas do papai-noel. – e ao levantar os olhos, reparou Derick desviando o olhar sem graça – Mas eu não deixei barato – disse após perceber que ele estivera a observá-lo – tasquei um chifre nela também – e ambos gargalharam.

– Você faz é rir? – Derick perguntou sem graça, sabia que ele havia reparado em seu olhar de interesse – Isso é uma coisa séria – olhou ao redor, procurando um jeito de se afastar do garoto sem ser arrogante. Resolveu caminhar rumo aos banheiros, observando a caricatura da morte em alto relevo que indicava a casa-fantasma. Ao seu lado o companheiro prosseguiu:

– Sabe como dizem: uma nova ficada para curar um pé na bunda, ou tipo isso. – E ao falar, encostou-se na parede exterior da casa-fantasma e ficou abrindo e fechando o zíper da jaqueta.

Derick estranhou aquilo. O garoto parecia de alguma forma estar dando em cima dele. Todavia tinha que ter cuidado, já não estava em uma cidade do interior, não sabia como funcionavam as coisas na cidade grande.

– Sei como é – respondeu sem jeito tornando a observar o celular, certificando-se de que não havia chegado novas mensagens. Em seguida ouviu a música ambiente ser interrompida e uma voz masculina soou alto pelo megafone anunciando o encerramento das atividades. O gestor do parque agradeceu a presença dos clientes e desejou a todos uma ótima noite.

Então era isto. O parque estava fechando, os brinquedos sendo desligados, e nada de Tatiane chegar. Estava sozinho com um cara desconhecido, e ao mesmo tempo em que se envolvia na conversa com ele, temia a proximidade, já que ouvira várias histórias sobre a violência na metrópole. Foi um alívio quando ele afastou-se da parede e ajeitando a jaqueta passou a despedir-se.

– Já estou indo embora, você vem? – questionou colocando o capuz.

– Não, não. Ainda estou esperando minha colega – Derick respondeu olhando ao redor. Temia ficar ali sozinho.

– Então valeu – Ele o cumprimentou com um aperto de mão e seguiu pela estradinha rumo à saída do parque – Foi legal conversar com você. – De longe, virou-se apontando para ele, então após mais alguns passos parou e resolveu retornar. O coração de Derick quase saiu pela boca. Ficou com medo.

− O que houve? – questionou olhando ao redor, caso precisasse correr. Ficou aliviado ao observar um funcionário que passava logo ali conferindo os brinquedos.

– Esqueci-me de uma coisa – O garoto misterioso se aproximou devagar, e quando chegou mais próximo, de supetão o tomou pelo braço e puxou para a região escura. Derick pensou em gritar, mas foi surpreendido pela boca dele calando a sua.

Foi tudo muito rápido, não deu tempo nem de pensar. O coração batia acelerado e a mente ficara confusa. Então o carinha se afastou descolando as bocas e exibiu um sorriso travesso entre lábios.

– E então, gostou? – questionou parecendo super natural o que ele acabara de fazer.

Eu… – Derick estava corado, não sabia o que dizer. Pensou em correr dali, então outra vez sentiu os braços serem imobilizados. Imprensado contra a parede, novamente teve os lábios pressionados, desta vez com a língua procurando a sua. Que sensação, era quente e gelatinoso. A língua do carinha misterioso parecia dançar na tentativa de penetrar sua boca cerrada. Derick estava de olhos arregalados, mas no escuro conseguia visualizar apenas o vulto e sentir a pressão que ele empregava em seus braços. Um aperto quente e firme que logo foi interrompido quando uma vozinha soou vinda da região iluminada:

– Derick?

Tatiane estava parada, atônita, com os olhos arregalados para a cena. Tentava disfarçar a surpresa observando o garoto encapuzado afastar-se de supetão, ainda limpando os lábios molhados com a manga da jaqueta. – vamos? – ela gaguejou, observando os dois sem jeito.

Derick bastante nervoso não pensou duas vezes, deixou a escuridão aos tropeços e sem olhar para trás segurou a amiga pelo braço caminhando apressado para distante dali. Eles atravessaram a pista em direção ao ponto de táxi, e Tati não resistiu:

– O que foi aquilo? – gaguejou tentando compreender o que vira.

Posso… posso explicar tudo depois que eu mesmo entender? – Derick retrucou entrando no veículo. O motorista fez uma manobra e ele pôde observar o garoto misterioso deixar o escuro distante em direção à calçada. Tatiane não o viu, estivera mais ocupada com uma cena intrigante na janela contrária: Caroline, a desafeta, também estivera no parque, e agora entrava enraivecida noutro veículo, soltando fogo pela boca.

____________________________

[i] [Aplicativo] Facebook: Um site e serviço de rede social lançado em 2004, operado e de propriedade privada da Facebook Inc. O Facebook foi fundado por Mark Zuckerberg, Eduardo Saverin, Dustin Moskovitz e Chris Hughes.

[ii] [Aplicativo] Skype: Um software lançado em 2003 pela Skype Technologies, que permite comunicação pela Internet através de conexões de voz e vídeo.

 

[iii] [Música] “Semana que Vem”: Uma canção escrita e gravada pela cantora e compositora brasileira, Pitty. Foi lançada no ano de 2003 em seu primeiro álbum de estúdio: Admirável Chip Novo. Gravadora: Deckdisc. Gênero: Hard Rock.

[iv] [Música] “Bad Romance”: Uma canção da artista americana Lady Gaga, presente em seu terceiro EP The Fame Monster (2009). Foi composta e produzida pela cantora juntamente com RedOne. Gravadora: Record Plant Studios em Los Angeles/Califórnia, e FC Walvisch/Amsterdã. Gênero: Dance-Pop, House.

[v] [Música] “Thriller”: Uma canção lançada em 1984 pelo cantor/compositor americano Michael Jackson, presente no álbum de mesmo nome. Gravadora: Epic Records. Gênero: Funk, disco.

[vi] [Música] “Faroeste Caboclo”: Uma canção composta pelo cantor brasileiro Renato Russo em 1979 e lançada por seu grupo (Legião Urbana) no álbum Que País É Este (1987). Gravadora: EMI. Gênero: Folk Rock, punk rock, new wave.

Notas Finais

[Texto Revisado/2016] Se encontrar algum problema ortográfico ou gramatical, por gentileza, sinalize nos comentários.

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