Conto Gay – Confusões no Colegial – Capítulo 2 – Ranger Rover Preto
O som de rock do Linkin park [i]é ouvido à distância e fica cada vez mais alto conforme se aproxima da área do colégio de ensino médio Dom Pedro I. Muitos jovens estão espalhados pelos limites da escola, trajando roupas de frio e mochilas. Vários montinhos se aglomeram frente às paredes da direção buscando a vista privilegiada das tabelas afixadas na superfície. Nelas, a distribuição dos estudantes por turma.
O range rover preto entra nos limites do campus, passando pela portaria e chamando a atenção dos que estavam a perambular. Faz uma curva no estacionamento e para na vaga que fica frente a enormes pinheiros que balançam com o vento matinal. O carro permanece parado por um instante, os vidros são escuros e não é possível ver quem está lá dentro. As duas portas da lateral direita são abertas deixando escapar o som, o que chama ainda mais a atenção.
Da frente do automóvel um par de pernas femininas usando meia calça pied de poule e salto alto torna-se visível. Logo em seguida, da porta traseira, outro par de pernas femininas trajando jeans sawary aparece, e então as duas jovens levantam-se exibindo elegantes roupas de frio, parando o colégio enquanto ajeitam suas bolsas.
Elas olham ao redor examinando o ambiente, logo após batem as portas e dão alguns passinhos sentindo o vento esvoaçar-lhes os cabelos. A música é interrompida. Viram-se ao ouvir o barulho do alarme e observam o rapaz loiro surgindo na lateral oposta do veículo.
Físico de atleta, bochechas coradas pelo vento e estonteantes olhos azuis que contrastam com a jaqueta descolada. Ele contorna o carro, ajeita a mochila e observa as garotas serem recepcionadas por colegas do ano anterior. Pelo tom fresco da conversa, são as patricinhas do colegial. As garotas mais bonitas, mais populares e…
– Espere ai! – uma vozinha se sobressai na lateral distante – As mais bonitas?! – a estudante baixinha de óculos parece embasbacada. Olhando para a colega ao lado prossegue fazendo graça – Como assim as garotas mais bonitas? Elas não são as mais bonitas – volta a observá-las – Mas eu sim, EU, Tatiane, a rainha…
–…dos nerds – a amiga interrompe-lhe os devaneios e com um largo sorriso enlaça seu braço. Ela era um pouquinho maior que Tatiane, tinha longos cabelos escuros que tocavam á altura dos quadris e bochechas coradas pelo dia frio – e agora – prossegue – é hora da rainha e sua fiel escudeira voltarem para a sala, ou chegarão atrasadas.
Ouve-se o sinal soar, com passinhos apressados as inseparáveis amigas sobem pela escadaria no centro do prédio e observam por todos os lados alunos caminhando agitados. Os monitores permanecem rodeados de jovens que não encontraram suas salas, a diretora está maluquinha e lá fora, o alto portão de ferro fora finalmente fechado.
* * *
– Silêncio pessoal, por favor, silêncio – os murmúrios dentro da sala estavam altos quando a professora baixinha de cabelo Chanel entrou buscando a atenção da turma de primeiro ano – Bom dia – ela observava cada rostinho novo à sua frente com um tanto de empolgação – Sou Eliane e vou dar aulas de literatura – faz uma pausa escrevendo o nome no quadro e então prossegue – esta é uma ótima matéria, espero que todos participem. Okay? – com um sorrisinho simpático Eliane volta ao quadro.
Enquanto traçava o cronograma da disciplina e prosseguia com os recados de início de semestre, alguém bateu à porta solicitando permissão para entrar.
O garoto de estatura mediana tinha a pele clara, destacando as bochechas também em coloração rosada. Seus cabelos escuros com uma franja desfiada caiam por sobre a testa conferindo-lhe um belo tom juvenil. Estava empacotado em roupas quentes e trazia nas costas uma mochila azul de tecido jeans. Com permissão da docente, ele adentrou o ambiente sentindo os olhares sobre si. Passou frente às fileiras, seguindo rumo à mesa da professora, a procura de um lugar vago.
Após alguns segundos a observá-lo, a estudante baixinha de óculos vermelhos, sentada na primeira carteira da fileira encostada à parede, virou-se, retirando os materiais de sobre a mesa logo atrás para ceder-lhe o espaço. Então tornou para frente, trocando olhares com a amiga sentada na fila ao lado. Com uma fita cor de rosa, ela fazia um chamativo laço em seu espesso cabelo, formando nele um rabo de cavalo.
O rapaz acomodou-se, retirou a jaqueta e em seguida abriu a mochila, colocando sobre a mesa o caderno novo onde passou a anotar o cronograma escrito no quadro. Ouviam-se os murmúrios tornando-se cada vez mais altos, a professora ausentara-se a fim de providenciar os materiais para começo das atividades e os estudantes aproveitavam para bagunçar.
Em meio a balburdia, a vozinha sobressaiu:
– Olá – Era a garota do rabo de cavalo, que virada para trás, tinha os olhinhos cintilantes de curiosidade – Você é novo por aqui, não é? – Perguntou trocando olhares com a colega logo ao lado.
– Sou sim – o garoto deu-lhe atenção esboçando um tímido sorriso – Mudamos nas férias – olhou ao redor evitando falar alto graças à timidez. Era seu primeiro dia naquela escola, ainda não se sentia a vontade em meio ao ambiente desconhecido.
– Legal. Mas, mudou de onde? – A garota prosseguiu a conversa puxando a carteira barulhenta para mais próximo. Algumas bolinhas de papel voavam de um lado para o outro entre os estudantes que bagunçavam.
– Minas Gerais – Ele sorriu observando a garota à frente ajeitar os óculos que escorregavam no nariz. De início ela ficou em silêncio analisando a conversa, e agora que parecia ter tomado confiança, sorriu.
– Bem-vindo então – a colega inquieta esticou a mão e se apresentou – Sou a Lizi – disse – e esta aqui é a Tatiane – indicou a colega que cedera a carteira.
– Prazer meninas – o rapazinho retribuiu o sorriso gentil – meu nome é Derick.
Antes que outra coisa fosse dita, o barulho da porta os fez virar para frente pensando ser a docente que retornava, mas os olhos fitaram não ela, e sim o trio do range rover que sem preocupações, chegavam atrasados.
Na frente estava Caroline, uma garota de cabelos loiros ondulados com olhar altivo e antipático. Vestia a calça jeans sawary azul combinando com as botas em couro e blusa de frio. Era seguida por Crícia, a patricinha que trajava a meia calça pied de poule combinando com o casaco marrom. Esta possuía lindos olhos cor de avelã, levemente puxadinhos. Seus cabelos lisos tocavam a altura das costas e usava sobre eles uma touca de crochê marrom claro.
Mais atraente que a amiga loira, Crícia seguia de mãos dadas com o namorado: Kaio, o garoto de corpo atlético e olhos azuis, condutor do range rover. Ele foi recebido com algazarra pelos colegas de fundão que pareceriam já o aguardar.
As garotas afastaram os olhos do trio e voltaram a conversar com Derick que por um instante pareceu distante desviando os olhos da porta.
– Era só o que faltava. Estarmos na mesma sala que eles – Tatiane exclamou descontente.
– Deixe de implicância Tati – Lizi a cutucou virando-se para frente, a professora acabara de entrar.
– Preciso de dois alunos que busquem os livros que separei – A docente passou um olhar pela sala, em seguida apontou – Você e, você – primeiro o dedo deslizou para o lugar onde Derick se acomodava (o garoto corou) e então seguiu apontando alguém no fundão – Os dois atrasadinhos – ela esboçou um sorriso dirigindo-se para a mesa – façam este favor para a turma – solicitou sentando-se – o restante, organizem-se em trios, sem fazer barulho.
Não adiantou o pedido da docente. Antes de concluir a última frase, ouviu o estridente som de carteiras sendo arrastadas pelo chão de granito. Derick levantou-se e procurou ao redor quem seria o segundo garoto a ir com ele à sala dos professores. Seus olhos fitaram Kaio vindo em sua direção, desviando-se das carteiras espalhadas pelo perímetro. Sentiu o coração disparar. Seria ele? Então a confirmação não demorou: “Vamos nessa?”; o garoto loiro exclamou colocando as mãos no bolso da jaqueta e em seguida ambos deixaram a sala.
* * *
O corredor estava vazio. O som abafado de murmúrios vinha das salas de aula com as portas fechadas. Vez em quando Derick via alguém colocar a cabeça para fora se certificando de que o professor não estaria por perto.
– E ai? – a voz descolada soou quando viravam em um corredor mais amplo – Você não estudou no Liceu, estudou? – Kaio puxou assunto e Derick gaguejou na resposta.
– Nã… Não – Foi como se a língua enrolasse e uma perna se tornasse maior que a outra. Tentou controlar o nervosismo e prosseguiu – Mudei recentemente – virou-se a olhar para o garoto, e sem prever, seus olhos se encontraram com os dele. Eram como uma sedutora lagoa azul que o fez sentir-se estranho e tropeçar. Kaio não resistira e dera uma gargalhada que ecoou pelo corredor.
– Você está legal cara? – achou engraçada a estranheza do colega de turma.
– É… estou – O rosto de Derick ardia de vergonha.
“Tinha que pagar mico logo no primeiro dia? Logo na frente daquele carinha interessante?”
– Você era de qual escola? – Kaio prosseguiu.
– Minas Gerais – Derick explicou – quer dizer, morava em Minas Gerais antes – sorriu sem jeito.
– Maneiro – Kaio retrucou observando um pingente que balançava em seu pescoço. – Você é fã do Evanescence[ii]?! – questionou e Derick virou-se a responder empolgado:
– Bastante, e você? – o garoto já havia sacado que ele também curtia rock.
– Não, não – Kaio deu um banho de água fria em sua empolgação – minha coisa é Linkin Park e Metallica[iii], estilos mais… – buscou a melhor expressão – pesado – Derick ficou em silêncio, nada retrucou, então o garoto continuou – Sei lá. Essas bandas muito modinha, tipo, sei lá, coisa de mulherzinha. Não acha? – Derick sentiu-se constrangido com a comparação. Sem resposta, corou.
Talvez a intenção de Kaio não fosse ofender, mas o garoto não gostou nadinha de como ele se expressou. Neste instante adentravam a sala dos professores de onde pegaram as pilhas de livros e retornaram para a sala. Seguiram em silêncio, Derick adiantando os passos, refletindo sobre o que o colega acabara de falar. Kaio vinha mais atrás, observando as gotinhas de chuva que escorriam pelas vidraças ao longo do corredor. Lá fora o tempo continuava fechado, o sol não apareceria naquela manhã.
* * *
Os grupinhos já estavam formados. Derick ficou com as duas colegas que puxaram conversa no primeiro período. Deveriam ler um texto e em seguida responder questões sobre introdução à literatura. Enquanto as amigas liam seus livros, ele discretamente passeou os olhos pelo fundão, observando o garoto loiro que estava a conversar baixinho com alguns colegas de grupo.
– Qual é a daquele cara? – perguntou virando-se para as amigas.
– Qual? – Lizi e a Tatiane imediatamente olharam para trás, na direção que o garoto indicara com a cabeça.
– O Kaio? – Tatiane foi quem prosseguiu tornando a atenção para o colega – Bom, ele é o guitarrista de uma bandinha ai, jogador perneta do time de futebol, bombado e namorado da Crícia, a perua de pied de poule. Esqueci-me de alguma coisa?
Na lateral, a garota com cabelos longos começou a rir pela forma engraçada como a colega se expressara.
– Nossa – Derick sorriu junto a ela – Pelo visto vocês o conhecem muito bem. – Prosseguiu olhando discretamente para o garoto, que tirava um chiclete da boca para colar abaixo da carteira. Neste instante a professora chamou-lhes a atenção e tiveram que se calar. Porém, quando Eliane tornou a se entreter com um livro, voltaram aos cochichos.
– Olhe em volta – Tatiane sussurrou – Quase todos aqui estudaram anteriormente no Liceu – ela ajeitou os óculos que escorregava no nariz miudinho, então continuou a falar – Aqueles carinhas lá no fundão, ao lado do Kaio – fez uma pausa para que o amigo conseguisse olhar discretamente – são integrantes da banda dele – prosseguiu – O mais alto é o baixista e o loirinho baterista. Ambos playboys idiotas.
Eles sorriram, e estranhamente Kaio virou-se lançando um olhar curioso. Parecia pressentir que mencionaram seu nome, todavia, o trio, soubera disfarçar.
– Ali – Tatiane indicou quando Kaio voltou a conversar com os amigos – no canto da porta – e olharam em direção ao grupo formado pelas patricinhas, na outra lateral da sala – Elas se acham as mais populares do colégio – continuou, adorando falar mal das desafetas – A mãe da Crícia é gerente de uma loja, isso explica porque andam sempre pomposas: liquidações – fez uma pausa olhando ao redor para certificar-se de que ninguém ouvia a conversa – Já a amiga dela, a de calça sawary. Ela é namorada do Lucas, outro idiota do time de futebol. Vi na lista de turmas que ele ficou nesta sala, mas parece que não veio hoje. Ainda bem, é um bobalhão como todos os outros – tornou a sorrir.
Aquela conversa seguiu por mais algum tempo. Vez em quando Derick espiava o fundão lembrando-se do diálogo no corredor, ainda não conseguira engolir o “coisa de mulherzinha”. Todavia, não estava com raiva do garoto loiro de olhos azuis, pelo contrário, sentia-se atraído ao olhar para ele. Talvez fosse encanto por sua beleza estonteante, ou pelo jeito despreocupado de agir, não sabia ao certo. Apenas balançou a cabeça espantando os pensamentos. A semana só estava começando, não queria inimizades logo no primeiro dia.
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[i] [Banda] Linkin Park: Uma banda de rock formada em 1996 em Agoura Hills, Califórnia. Alcançou o sucesso internacional em 2000 com seu álbum Hybrid Theory. Seu estilo é descrito como Rock alternativo, Rap metal/Rap rock, Nu metal e Metal alternativo.
[ii] [Banda] Evanescence: Uma banda de rock formada em 1995 na cidade de Little Rock pela vocalista e pianista Amy Lee, e o guitarrista Ben Moody. Seu estilo é descrito como rock sinfônico, metal alternativo ou nu metal.
[iii] [Banda] Metallica: Uma banda de rock formada em Los Angeles, com base em San Francisco. Foi formada em 1981 após o vocalista e guitarrista James Hetfield responder a um anúncio de Lars Ulrich no jornal local. Seu estilo é descrito como Heavy metal, Thrash metal e Speed metal.