Para Um Soldado Perdido (Voor een verloren soldaat, 1992)
Temas polêmicos são sempre um chamativo, queiram ou não, que levam os telespectadores a assistirem alguns filmes, mesmo que isso dependa de um ponto de vista cultural. É assim que se pode começar a falar desse filme holandês. Tem-se em mente a idéia que os holandeses são liberais demais e talvez por isso esse filme tenha sido produzido, mas deve-se ressaltar que nessa história quase poética há muito mais que liberalismo. Para um Soldado Perdido, que chegou aqui no Brasil apenas em DVD ano passado, narra um romance pederasta, que causa comoção de uns e a aversão de outros.
Apesar de não se usar mais o termo pederastia, ele se encaixa muito bem para designar o relacionamento presente nesse filme. Alguns o veem como pedofilia, mas fazendo uma análise epistemológica notar-se-á a diferença. No Brasil a pederastia é crime, mas em muitas culturas, antigas e atuais, não é, então por isso não se pode ter algo como insano apenas por analisá-lo fora do seu contexto.
O filme conta a história de Jereon Boman, interpretado por Jereon Krabbé (quando adulto) e Maarten Smit (na fase criança), um coreógrafo que começa a relembrar momentos de sua infância que o marcaram (e muito). Somos então transportados para 1944, ao final da Segunda Guerra Mundial, Jereon aos 12 anos é mandado por sua mãe para longe do inferno que se instalou em Amsterdã. E esse ato da mãe do garoto nos remete aos romances A Menina que Roubava Livros e O Menino do Pijama Listrado.
No vilarejo que Jereon vai se instalar predomina uma paisagem extremamente bucólica. Ele se ver em uma vida totalmente diferente, com pessoas, idioma, hábitos tudo diferente do seu costume. Jereon é acolhido na casa de um senhor austero e religioso. Uma casa repleta de filhos (típico da época), e mesmo se sentindo um estranho no ninho é interessante a forma como o garoto interage com as pessoas, mesmo falando um idioma diferente daquele falado por quem ele gosta. Em meio a isso ele conhece um amigo do seu país de origem, mas é na figura do soldado canadense Walt que ele encontra o carinho e o acolhimento que tanto faz falta para um adolescente tido como abandonado.
Além de descobrir um mundo novo, o pequeno Jereon começa a conhecer seu próprio mundo interior, no começo de sua puberdade sua sexualidade começa a aflorar e trás consigo as dúvidas características da fase, e para isso note as caras do excelente desempenho do ator que o interpreta. E é aqui que surge a grande (e talvez polêmica questão): Jereon com 12 anos e Walt com idade entre 20 e 30 anos ambos apaixonados, um experiente, outro conhecendo o mundo e a si mesmo. O caso poderia sim ser encarado com mais polêmica não fosse a carga poética em cima da narrativa, e a dramaticidade que nos incita a torcer pelo casal.
A fotografia do filme é perfeita, e nos remete aos artistas mais clássicos, citando um que vem logo a mente, Van Gogh, diga se pelas cenas internas na casa que Jereon vai morar. A trilha sonora melosa demais e repetitiva é o ponto negativo mais gritante. Há que se ressaltar também que a direção de Roeland Kerbosch é excelente com tomadas certeiras, que dão ao filme um ar delicado que combina com a poesia do roteiro de Don Bloch. Devo dizer também que o roteiro é uma adaptação do romance da coreógrafa Rudi Van Dantzig, romance este tido com autobiográfico.
O gênero e o início do filme dão a quem assiste a noção do que irá acontecer, não há muitos mistérios, com exceção do fato de a versão adulta de Jereon dialogar vez ou outra com seu passado e vice-versa. Como a proposta do filme já sugere, pode-se concluir que tudo que de fato com valor nos resta são as lembranças. Lembranças de um passado que poderia ter se tornado um futuro feliz para o personagem e lembranças de um filme diferente para quem o assista.
Gostar ou não desse filme ou do seu conteúdo é uma questão pessoal, mas há que se admitir que ele é muito bem feito e sua delicadeza permite uma experiência cinematográfica impar.